The Mask You Live In e a América falsamente masculinizada

Primeira Fila segunda-feira, 05 de setembro de 2016

Quando Simone de Beauvoir disse a (Recentemente) polêmica frase: “Não se nasce mulher, torna-se”, não precisa ser muito inteligente para entender que ela não fala do aspecto biológico. Tampouco sobre identidade de gênero. Mas sim sobre os papeis que devemos performar uma vez que o médico dá aquela batida nas costas para chorarmos e anuncia: É uma menina. Desde cedo, somos consideradas emocionalmente frágeis, fisicamente fracas, histéricas, dramáticas. Mas prendadas. Belas, recatadas e do lar. Para casar. Alvos fáceis, cujas vozes não merecem ser ouvidas sequer pelo maior esquerdomacho feministo do rolê. Nascemos para ser mães, esposas. Uma compulsoriedade de papeis que o mundo faz crer que nos pertencem, até que os desejamos, mas que apenas servem para nos despersonalizar enquanto indivíduos. Ser mulher é um mundo cão. Não há contestação quanto a isso.

Enquanto feminista, sempre repliquei que a socialização masculina não falha, por melhor que seja o cara. Também, só enxergava privilégios. Sabem como é: Macho é macho, portanto tudo será perdoado. Às voltas com minha gana, não de negar meu gênero, mas sim de desafiá-lo, nunca me aprofundei no outro lado da moeda. E The Mask You Live In toca na ferida, abrindo a caixa de Pandora da performance da masculinidade e, pasmem, das consequências sociais e emocionais de ser criado como o típico macho alfa e de “querer” – entre aspas pois tudo o que supostamente gostamos, desejamos e tomamos como correto é construção social – tornar-se um exemplo de homem. Mas com H maiúsculo. Contudo, a pergunta crucial do documentário é justamente essa. O que é ser homem? E, consequentemente, o que é ser mulher?

“Comparado com uma garota, um rapaz no fim da adolescência é 7x mais propício a morrer com as próprias mãos.”

Didático, o filme conta com diversos depoimentos de rapazes de diversas idades, profissionais da educação e psicólogos, mostrando estatísticas alarmantes de ataques de fúria, assassinatos, suicídios, alcoolismo na infância e evasão escolar resultantes de bullying, da insatisfação pessoal por emular uma personalidade que não lhe pertence durante toda a vida e da falta de conexão com outras pessoas. Porque os meninos são ensinados desde cedo a engolir o choro. A revidar, ostentar um olho roxo como um troféu. Mas não a conversar, a desabafar, construir relações estreitas que se baseiem em confiança mútua. Amizade nua e crua. Seja com homens ou mulheres. Antes de qualquer coisa são lobos solitários que lutam pela sua sobrevivência nessa selva que chamamos de vida. Há muita vergonha em ser emotivo, emocional, visceral porque, de todas as coisas, a força física e a racionalidade masculina são as mais importantes características que carregam nos bolsos, escondendo atrás de máscaras o que levam no coração.

O ponto alto do filme de Jennifer Siebel Newsom é seu formato em dinâmica de grupo, alternando esses momentos com entrevistas individuais, permitindo que crianças e adolescentes se abram umas na frente das outras, mostrando que seus problemas e sentimentos são os mesmos. E que não há nada de errado em se conhecer melhor e buscar um ombro sincero para desabafar. Pouco a pouco, se despem de suas armaduras e se abrem para o mundo e para eles mesmos, permitindo que os enxerguemos pelo o que verdadeiramente são. Se há uma resposta para a ruptura dos paradigmas, esse é o caminho.

Em seus relatos, muitos apontam o bullying como o ponto de virada para vestirem a máscara de homens que não choram, não reclamam, que carregam relacionamentos de fachada com as mulheres que a sociedade espera e que se afastam de qualquer um que fuja dos parâmetros socialmente aceitáveis, ainda que não o compreendam ou não concordem. São esses mesmos jovens que pensam em suicídio e que, mais tarde, perpetuarão esses mesmos valores, ensinando seus filhos a não brincarem de boneca, não gostarem de garotas até a puberdade e a pararem de chorar “como uma menina” depois dos cinco anos.

Algo condescendente ao discutir a violência física e moral perpetradas por homens, quase justificando-as, passando superficialmente por questões centrais como homofobia e misoginia, The Mask You Live In aponta uma verdade que os homens negam veementemente, mas a qual devemos sempre discutir, para prevenir: Se alguns são violentos e controladores, é porque acham que podem. São ensinados a isso e toda a referência sobre masculinidade são músculos, tiros, alto poder aquisitivo e coleções de mulheres. Em casa, na escola e na mídia, a pressão social vai as alturas. Os modelos apresentados a esses rapazes durante toda a vida são tão irreais quanto a barriga negativa da Gabriela Pugliesi para mim. E se não são todos assim é porque, nem sempre, a cartilha da criação é seguida a risca. Existem famílias que fazem de tudo para preparar sua prole para o mundo enquanto seres humanos mas, enquanto a maioria criar um abismo nas criações de meninos e meninas, ninguém escapará ileso.

Acredito que o documentário sirva para todas as audiências, porque refletir nunca é demais. Eu, que pouco havia pensado sobre o assunto, senti uma profunda empatia em relação aos rapazes retratados no longa. E por todos os outros que passaram pela minha vida de raspão e cujo histórico ignoro. Me tocou e bateu fundo. Todos temos nossas batalhas e não temos o direito de atravessar a do outro. The Mask you Live In não se resume a explanações do tema. Seria pouco. Tem uma dinâmica interessante, recheada de boas histórias. Apesar de didático, não soa como um sermão, mas como um desenrolar de uma história que já se estendeu por tempo demais e precisa parar. Até uma bola de neve, em algum ponto, deixa de crescer e rolar. Até quando iremos perpetuar as diferenças, e não as semelhanças, impondo papeis tão rígidos a personalidades tão plásticas? Moças, rapazes, tiremos as máscaras.

E assistam ao filme no processo, se possível.

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