O horror de amar o horror

Primeira Fila segunda-feira, 12 de setembro de 2016

No primeiro Pânico, de 1996, Ghostface pergunta às suas vítimas: Qual é o seu filme de terror favorito?. Wes Craven começava uma nova era do gênero, uma espécie de metafilme. Não exatamente uma paródia, porque envolvia toda uma trama pensada para não ser óbvia, mas brincava com a invencibilidade dos assassinos e a estupidez dos jovens, marca principal do subgênero que mais ascendeu na década de 1980, os slasher movies. A franquia de Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado, lançada no ano seguinte, seguiu a mesma linha. A sequência do original tem uma cena inesquecível. O vilão bola um concurso de rádio e tudo o que a protagonista precisa responder é o nome da capital do Brasil. “Rio de Janeiro!”, exclama animada. E ganha as passagens pra passar uns dias morrendo nas Bahamas com seus amigos.

Tanto Pânico como Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado foram as grandes marcas do horror na segunda metade da década de 90, porque a primeira foi recheada de filmes trash e sequels que não deveriam ter existido. De acordo com as minhas pesquisas de dois minutos, o melhor lançamento foi a versão cinematográfica de Louca Obsessão, que é um filmaço mesmo. Sexta-Feira 13, Halloween e A Hora do Pesadelo tiraram o sono de centenas de serumaninhos em idade púbere seguindo a mesma receita bem sucedida de um bolo gostoso. Assumindo que assassinatos em série, por motivo torpe, resultem em um bolo gostoso.

Claramente resultam em um bolo gostoso.

Todas as décadas têm uma marca, um subgênero que deu certo e foi levado à exaustão, até que surgiu outro para enlouquecer a audiência. E, como em um ciclo, voltam a fazer sucesso. É claro que alguns títulos fogem desses padrões, como os zumbis de George Romero, Colheita Maldita, A Cidade dos Amaldiçoados, Cemitério Maldito e o recente Goodnight, Mommy, mas o fato é que um padrão. Nos anos 70, O Exorcista, Poltergeist e A Profecia foram o pontapé inicial para a ascensão do sobrenatural que hoje, 40 anos depois, tá ai com força total, mas com muito menos qualidade narrativa. Também tivemos convergências de estilo, como no caso de Evil Dead, que pegou carona no alívio cômico do melhor que o trash podia oferecer e na insanidade dos filmes sobre fantasmas e demônios que dominavam as telas.

A Bruxa de Blair, de 1999, pariu as infernais found-footages. O marketing do filme foi perfeito, vendendo os acontecimentos como se fossem reais. Até o site dava essa ideia. Só ao chegar ao cinema que o espectador descobria que fora enganado all along. Mas isso já havia sido feito. O infame e impossível de assistir Cannibal Holocaust é tão forte e bizarro que até autoridades acharam que era de verdade e vetaram o filme. E mesmo depois de esclarecerem que, porra, era ficção, a veiculação foi difícil, porque é de revirar até os estômagos mais fortes. Mas eu me pergunto: Se tivesse dado certo, como aconteceu com A Bruxa de Blair, seria a década de 90 — e não os anos 2000 — recheada de filmes desse tipo?

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O terror vive uma crise identitária e o desgosto de ser uma fã incorrigível, sempre em busca de novas tramas, virou um peso, algo desapontador. O último ótimo filme que assisti, A Bruxa, está longe de ser uma unanimidade para o público e isso sim me assusta. Porque ele não se encaixa em nenhum subgênero, não abusa da violência física, não dá sustos. Mas é construído e conduzido de forma a, sim, te apavorar. Não pontualmente, mas em sua totalidade. Com a desconstrução da inocência, a saturação da convivência entre os membros de uma família, a injustiça imputada ao ser humano. Com os gêmeos que batem papo com um bode chamado Black Phillip! Como o próprio subtítulo indica, é uma espécie de conto folclórico, como os relatados pelos Irmãos Grimm e Hans Christian Andersen. Com o tempo, essas histórias foram maquiadas e viraram contos de fadas, mas suas versões originais eram bem perturbadoras. Mas não explícitas, assim como o filme também não o é. A sua originalidade e as expectativas de que fosse um novo Bruxa de Blair (Talvez por causa do nome?) destruíram a possibilidade de renovação no gênero, pelo menos por agora, porque o horror se tornou um nicho fechado, que rechaça a pluralidade. As pessoas querem ver sangue, objetos voando, sequências intermináveis de Atividade Paranormal. Reforçando o ciclo, não quebrando.

Há semanas estou em busca de um bom terror contemporâneo e não estou encontrando. Estou com saudades de assistir a um bom filme de verdade e não a um bom filme da atualidade, que é passável, mas não explora o potencial máximo de criação. Tudo o que vejo são demônios e entidades sobrenaturais sem graça e sempre iguais, clichês pobres herdados de algo que já quebrou paradigmas, mas virou lugar comum. Outros que tremem tanto diante dos meus olhos e me fazem querer vomitar, talvez de desgosto. E não é por falta de tentativa. Essa semana aproveitei o feriado e parei para conferir alguns títulos. Um japonês de relevância irrisória, cujo nome não consigo sequer lembrar; Would You Rather?, sobre pessoas necessitadas de grana que aceitam participar de um jogo sádico com mais sangue do que explicação, também conhecido como aquele em que a Sasha Grey balbucia meia dúzia de palavras e A Entidade 2, porque tinha a impressão de que havia gostado do primeiro. Além de ser fraco e quebrar a imersão várias vezes pela fácil resolução do plot, me fez perceber o quão descartável seu original foi, pois sequer lembrava qual era a sacada central da narrativa e precisei pausar para conferir na Wikipedia. E o final, meu deus. O final. Uma bosta desnecessária para um filme que seria nota 5, ou 6, se não forçassem um cliffhanger para uma possível sequel.

Malandramente curtindo uns choquinhos na cabeça.

Estou esperando que alguém tenha uma ideia genial para quebrar o ciclo vicioso e revolucionar o terror. Minha esperança reside nos cineastas independentes, que investem o pouco, ou nada que possuem de investimento, em curtas muitas vezes mais interessantes do que longas. Ou o dia em que os slashers voltarão com novos filmes, não remakes. Porque dos subgêneros, é o mais despretensioso e divertido. Semana que vem, inclusive, abandonarei a quest de encontrar um horror que equacione boas ideias, desenrolar inteligente e um final que não seja freestyle e fechei com a galera uma maratona de Sexta-Feira 13, talvez dando um jeito de enfiar o Halloween 4 para os desavisados assistirem. Por mais apaixonada por cinema que eu seja, tem sido muito mais satisfatório redescobrir minhas paixões da era VHS do que adquirir novas.

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