O Bater de Suas Asas (Paul Hoffman)

Livros terça-feira, 13 de maio de 2014

E cá estamos. Querem saber de uma coisa? Foda-se o parágrafo introdutório, vamos ao que interessa.

Quando começo uma série é uma questão de honra terminá-la, e quando, há anos atrás, peguei A Mão Esquerda de Deus, sabia que estaria me comprometendo à ler três livros… Ok, vamos por partes.

O primeiro livro me agradou bastante, e, sendo o primeiro, há aquela colher de chá. Nada mais justo, e, verdade seja dita, sou um leitor bem melhor agora do que era na época. A Mão Esquerda de Deus era uma lufada de ar puro: Ainda que através de clichês, construiu uma história interessante, dinâmica, sem medo de mudar seus próprios rumos. E digo isto agora, de novo, após ter relido o livro. O primeiro livro não chega nem perto de ser perfeito, mas apresenta tanta coisa… Potencial é a palavra. O livro promete muito.

E aí vem o segundo livro, As Últimas Quatro Coisas, e você vê que tem algo diferente. Reler o primeiro me lembrou de algo que, na época, me passou batido: A narrativa é muito mais descontraída do que parece. Quantas vezes me peguei ligeiramente surpreso pelo narrador quebrar a quarta parede, fazer um ou outro comentário, algumas considerações sobre as ações dos personagens. Realmente como se fosse alguém contando uma história e, de vez em quanto, não resistisse ficar calado. O segundo livro não tem isso. Ou melhor, tem – em menor quantidade – mas o tom é diferente. Se o primeiro é um contador de histórias, o segundo é um historiador. Clínico, preciso… Considerei bastante se deveria falar isso na resenha do livro, e acabei por não falar: Várias vezes eu me sentia lendo um roteiro de um filme, mais precisamente um documentário, sério, sisudo, estético.

[Paul Hoffman] É também roteirista de cinema.

E a verdade é que, ainda tendo muito o que não gostei, o segundo livro consegue desenvolver bem sua história. Tire todo o redor dos personagens, o “supérfluo”, e ainda é uma história intrigante, que muda a si mesma sem medo, que expande os personagens (E o número de personagens) e te prepara para uma conclusão, a terceira parte, mais do que satisfatoriamente. As Últimas Quatro Coisas não te promete nada como o primeiro, e ainda não cumpre parte das promessas deste, mas tem seu mérito, ainda que contra todas as chances.

Como comumente ocorre às partes do meio, o segundo livro termina com um gancho óbvio e sem grandes conclusões, em antecipação ao terceiro. Ah, meu deus, o terceiro… Há de se dividi-lo em duas partes.

Estou bonzinho: Spoilers. Montes de spoilers.

O segundo livro termina com Thomas Cale gravemente doente e com os dois melhores assassinos dos Redentores em seu encalço. O Cale que você viu nos dois primeiros livros não existe mais, foi substituído por um inválido. Genial como estrategista, talvez, mas impotente em todo o resto (Mas, curiosa e desnecessariamente, ainda dá no couro). Este terceiro livro tagarela o tempo todo sobre política, ainda que muito pouco dela se veja, e ainda só superficialmente. Mandado para um sanatório (Sim, a doença não é física), Cale está em tratamento, mas que praticamente não dá resultados.

Lembram que falei sobre a falta de peso e importância de acontecimentos e a não utilização dos personagens secundários? Este livro leva isto ao limite. Todo o tempo de Cale em tratamento é relatado, novos personagens são apresentados e, assim que cumpriram seu raso papel, são sumariamente descartados. Sem desenvolvimento, sem desculpas. Guardem isto aqui: O que era coragem em mudar o rumo da história passou à ser um desrespeito à própria, e, consequentemente, à quem leu e gostou dela.

E lá está Cale, doente, sendo atacado pelos assassinos. Os personagens já foram descartados e, como não há mais tempo à perder, Cale volta para a Suíça, onde ele, Henri Embromador, Kleist, IdrisPukke e todos os outros personagens principais estão refugiados. Lembram sobre a geografia sem sentido e a total bagunça fantasiada de universo expandido? Fica pior, mas felizmente se fala muito menos no terceiro que no segundo. Enfim, lá estão eles, Cale está de volta e é preciso se preparar para o ataque dos Redentores. A Suíça do livro tal qual a real também se mantém neutra nas questões políticas e nas guerras, mas é onde Cale está, é onde os poucos Materazzi restantes estão, e o objetivo máximo dos Redentores é exterminar a humanidade toda: Guerra será.

 Felizmente nenhuma citação.

Com o começo do livro já inutilizado, todo o meio se trata de logística. Logística na história, logística no livro: Os suíços tem um exército, mas não são um povo guerreiro, e seus vários e vários reforços são o que sobrou de outros exércitos, ou seja, nem chegam perto de ser uma elite. Os Redentores atacam, vencem, há brigas políticas, mortes, julgamentos e, enfim, Cale se torna o novo comandante do que restou: Camponeses e poucos soldados. O “Novo Exército Modelo” é a última esperança contra os Redentores, e vai vencer usando táticas novas e perigosas, você já viu isso.

A questão é que Cale não pode lutar, não tem como lutar. Mas poderia lutar, já que o autor cria um mecanismo para que, quando conveniente, ele volte à ser a máquina de guerra que sempre foi: Decisões ruims para medidas sem peso… É revoltante. Todo o meio do livro apresenta e debilmente resolve situações e personagens, numa balança entre o “como sempre foi” e o “como estamos fingindo que é”. É um desperdício tão grande… E aí começa o fim.

 Nada de Nine Inch Nails hoje.

A segunda parte da nossa divisão começa com o exército de Cale sendo posto à prova. São essas as batalhas que você terá, e elas praticamente não contarão com o personagem principal e motivo de toda a guerra. É aqui que começa a ficar o quão óbvio é o tempo (E a páginas) desperdiçadas em acontecimentos completamente irrelevantes e/ou desnecessários: Se Agatha Christie claramente enrola para dar a conclusão de um crime, Paul Hoffman comprou um caderno com uma quantidade limitada de folhas e escreveu o que achava legal ao invés do que era necessário. Pelo menos a Rainha do Crime era boa no que fazia: Impessoal é o tom da narrativa deste livro, sem personalidade, sem companherismo. Se teve alguma quebra da quarta parede, não me lembro.

O livro é separado em partes… Eu demitiria sumariamente o editor desse livro. A trilogia não tem unidade, não tem direcionamento. O autor é o principal culpado, mas, no mínimo, o editor é culpado de omissão. Aliás, o nome dele é Alex Clarke, e o livro é dedicado à ele. Me parece que o Paul Hoffman não tinha (Ou não se permitiu ter) nenhuma mão amiga que lesse e opinasse seriamente.

Já que estamos adiando o inevitável através de pontos secundários, uma sacada legal (E nada mais que isso) foi explicar na história as capas dos livros. Não é grande coisa, não faz diferença alguma e ainda é uma quebra de ritmo (E das suas esperanças), mas não me lembro de nenhuma outra obra fazer isso de forma tão autorreferencial (Sim, é o correto pela reforma ortográfia, e sim, é uma merda). Há de se fazer justiça: +1 pela boa sacada.

 Bem nesse nível.

Então, o final. Eu já estava de sobreaviso (Através dos comentários) graças ao joaozinho e ao Gustavo, então vou ser sincero: Eu não me irritei. Não me incomodou nem um pouco, não me desiludiu, não me frustrou… Nada. Eu simplesmente não liguei. A verdade é que, depois de ler os três livros praticamente um atrás do outro, e refletindo sobre os mesmos, fica claro que era algo inevitável. A série não terminaria de outro jeito, e há sinais disso o tempo todo.

Pra quem não está entendendo nada do que estou falando, a quinta e última parte do livro é onde tudo é resolvido. Eu não estou exagerando quando digo que o livro passou dezenas de capítulos narrando uma guerra entre camponeses e padres, mas que, na hora de falar das principais batalhas não o faz. Literalmente todas as principais batalhas da guerra são apresentadas e resolvidas num único parágrafo de menos de meia página.

Quem se lembra das batalhas individuais em qualquer guerra, mais do que ocasionalmente, só de nome; quem dirá o que aconteceu ali ou por que foi importante – ou até a própria guerra? Qual de vocês esqueceu as batalhas que levaram Thomas Cale às muralhas do próprio Santuário? Onde estão os cenotáfios em memória da Ponte de Dessau ou da batalha de Dogger Bank? Onde os memoriais da Primeira Fitna, do cerco a Belgrado, da Rebelião Hvar ou da Guerra dos Oranges? Quem pode falar sobre os Strellus e sua defesa sem par do silo de grãos de Tannenberg, ou da chacina de Winnebago, ou da derrota em Kadesh, onde 20 mil homens morreram congelados numa só noite? Onde estão os henges de Pearl Harbor ou Ladysmith? Onde os santuários, as lápides até onde a vista alcança, por Dunquerque ou pela queda de Hatusha, por Ain Jalut e Siracusa pelo massacre de Tutosburg? E por que lembrar o primeiro dia do Somme com tantas lágrimas, quando mais gente morreu de forma mais horrível em Towton numa só tarde? Depois de um cerco de três meses à Cidade Santa, qual foi o número total de mortes? Ninguém mais estava contando.

É isso. Uma guerra em um parágrafo, com capítulos e capítulos de tinta sem história atrás. Outro ponto à se destacar é como, no final, se corre para tentar (E falhar) resgatar personagens e situações que deveriam ter sido resolvidas muito antes (E, não incomumente, de outras formas)… Eu tenho plena certeza que se houvesse sido feita uma pesquisa antes e ninguém lembrasse dessas coisas, elas não estariam alí. Resolução por obrigação, e feita senão à contragosto por certo de má vontade.

Os poucos capítulos que antecedem o final são o ponto alto do livro. Não pensem que isso é um elogio. A situação é clara: O papa Bosco e todos os Redentores restantes fugiram para o Santuário, o exército de Cale está montando cerco, mas devem fazer algo, uma vez que é impossível destruir o Santuário. Há então um plano de engenharia, de forma que seria possível passar por cima de uma das muralhas e entrar no local. A parte boa é a tensão do “agora vai, tá quase” e só. Só isso mesmo.

 Sdds cliparts.

Sabem aquela expressão “nadar, nadar e morrer na praia”? Cale consegue finalmente entrar no Santuário e se dá conta de que fez tudo para nada, com direito à um discurso de Bosco explicando o porque do final da história (E do livro) ser do jeito que é. Não vou dizer o que acontece (Ou deixa de acontecer), mas vou dizer isto: Faz sentido a série acabar como acabou, mas isso não torna as coisas melhores.

O final do livro se dá em quatro capítulos, todos curtos. Eu sinceramente não sei o que comentar, principalmente no que toca ao destino de vários dos personagens, então vou repetir: Não me irritei, não me incomodei, não desiludi, não me frustrei… Apatia é palavra. A verdade é que eu esperava um final absolutamente ruim e tosco para a história, quase uma afronta à tudo que tinha sido escrito antes e que eu tinha gostado, mas o que recebi não foi um final ruim para a história (De novo, faz sentido ter sido como foi), mas sim um final ruim para um livro. Corrido, sem sentido, com explicações tão esdrúxulas que sequer consigo descrever… É um final mal escrito.

Eu não sei o que culpar. Normalmente quando alguém começa uma série, o que se tem (Por melhor ou pior que seja) é uma melhoria de livro em livro, afinal, há o feedback, a experiência… A trilogia A Mão Esquerda de Deus ficou pior a cada livro. Parece que não houve planejamento algum, e a execução foi ainda pior. Depois de ler este terceiro livro, eu não sei como o Paul Hoffman conseguiu escrever o primeiro.

Só tem mais uma coisa a ser dita, porque se eu não disser, não me perdoarei: Este terceiro livro tem um prólogo e dois apêndices, datados de 143.799 d.R. a 143.830 d.R. (Que, eu só posso supor, significa depois dos Redentores). O que se fala neles é praticamente que a trilogia A Mão Esquerda de Deus foi escrita por Paul Fahrenheit, usando o sobrenome de solteira de sua mãe, sendo que toda a história foi conseguida através de relatos históricos achados nas Lixeiras do Paraíso, datados de milhares de anos atrás (Considerando 143 mil e guaraná com rolha). Há toda uma briga acerca do valor histórico desses relatos, o que levou à problemas legais entre o Fahrenheit e o Secretariado Arqueológico das Nações Unidas (SANU), órgão responsável pelas Lixeiras. Em suma, o que se diz é que a trilogia foi escrita e publicada por um cara injustiçado que, usando um nome “alternativo”, “publicou os dois primeiros livros da série como exemplos contemporâneos do gênero costumeiramente descrito como ‘fantasia'”. Eu juro que isto está no livro e que não é invenção minha.

Eu não consigo transmitir meu desprezo aqui, não sem sem me exceder, e olha que eu estou usando os meus parâmetros… É tão PRETENSIOSO. O Paul Hoffman literalmente diz que a obra dele é um trabalho de imensa importância histórica e arqueológica, que foi amplamente injustiçado e criticado, que seu trabalho é “profundamente admirado por alguns, mas desagradando muito a outros por seu tom peculiar e sua abordagem bizarra da arte narrativa”. Ele se GABA. Ele se gaba pela própria obra, toma a palavra dos (Supostos) críticos, dá desculpas pelo que fez ou que deixou de fazer, tudo por ESSE livro. Por ESSA trilogia. A trilogia A Mão Esquerda de Deus NÃO É UM BOM TRABALHO. Eu não sei como alguém pode pensar tão bem de si mesmo à esse ponto, ainda mais depois de fazer o que fez.

O Bater de Suas Asas



Ano de Edição: 2013
Autor: Paul Hoffman
Número de Páginas: 389
Editora: Suma de Letras

Leia mais em: , , , , ,

Antes de comentar, tenha em mente que...

...os comentários são de responsabilidade de seus autores, e o Bacon Frito não se responsabiliza por nenhum deles. Se fode ae.

confira

quem?

baconfrito