Conto: Crime na pousada

Analfabetismo Funcional terça-feira, 28 de setembro de 2010

O ambiente era bucólico. Bucólico ao extremo. O cheiro de bosta de vaca pairava no ar, as formigas atacavam os pés incautos, o verde predominava no horizonte, os telefones celulares não passavam de meros enfeites de um mundo distante e a energia elétrica era usada exclusivamente para iluminação durante a noite. Foi nesse ambiente – uma distante pousada no campo – que ocorreu um crime macabro.

As autoridades policiais periciaram o local do crime, mas ainda havia muito trabalho a ser feito. Todos eram suspeitos, principalmente a noiva da vítima, uma jovem e bonita loira que aparentava estar em estado de choque. Os demais hóspedes não estavam muito menos assustados e queriam sair daquele lugar o mais rápido possível, voltar para seus mundinhos tecnológicos e tentar esquecer a sangrenta imagem que não lhes saía da cabeça.

Descrito ao delegado, pela noiva e pelos demais hóspedes, como uma pessoa extrovertida, sociável e elétrica, Douglas tinha 30 anos e buscava um fim de semana de fuga da cidade grande. O plano dele e sua noiva era passar dois dias caminhando, relaxando, nadando, cavalgando e fazendo muito sexo, enquanto suas mentes esqueciam a suas rotinas típicas de qualquer metrópole. Eis que na primeira noite todo plano é tragicamente desfeito.

Jéssica, a noiva, acordou assustada com um pesadelo durante a madrugada. Seu noivo não mais estava lá ao seu lado. A luz do banheiro estava apagada e o quarto às escuras. Ela acendeu a luz e chamou por Douglas. Nenhuma resposta. Jéssica começou a achar tudo aquilo estranho e achou por bem procurá-lo na recepção da pousada. Vestiu um robe sobre sua camisola transparente e saiu do chalé.

A recepção não ficava longe, mas o caminho até lá era mal iluminado e tortuoso, contornando jardins bem cuidados e coloridos. Foi na primeira curva da pequena trilha que Jéssica se deparou com o corpo do noivo degolado, cheio de marcas de facadas e com o pênis na boca. O grito de terror foi inevitável. Vários hóspedes acordaram assustados.

O instrumento do crime foi achado jogado no meio de uma moita: uma faca de caça. Como não havia motivação aparente para o crime, e diante da forma como o corpo fora achando, a possibilidade mais plausível era de crime passional. Evidente que, diante dessas circunstâncias, a noiva era a principal suspeita. Todos hóspedes e funcionários foram ouvidos e liberados. O trabalho com Jéssica seria mais demorado. Ela recusava-se a assumir qualquer culpa e parecia estar sinceramente surpresa e chocada. O caso revelava-se complexo: não foram encontradas impressões digitais, tampouco pegadas ou qualquer outro indício que apontasse um caminho para dirigir as investigações.

Uma semana se passou. Jéssica ainda estava presa provisoriamente, o chalé e parte da pousada ainda estavam interditados para realização de eventuais perícias suplementares. O delegado responsável pela elucidação do crime já não sabia mais o que fazer. Aparentemente, tudo havia sido considerado, mas não fora obtida nenhuma prova concreta do envolvimento da noiva no crime. Todos familiares e amigos haviam sido enfáticos e uníssonos relatando que “o relacionamento era estável e que Jéssica seria incapaz de cometer tamanha atrocidade, muito menos num ambiente que apelava pela paz e tranqüilidade”. Foi revendo um desses depoimentos que o delegado teve um estalo em seu raciocínio. “O celular e câmera. Tenho que analisá-los com mais cautela. Deve haver algo ali, uma mensagem ou uma foto comprometedora”.

Ao final de tudo descobriu-se que foi justamente a tecnologia que desencadeara tudo aquilo. A tecnologia e a luxúria. Douglas havia aproveitado um momento em que Jéssica se bronzeava numa cadeira à beira da piscina para, sorrateiramente, tirar algumas fotos com sua câmera digital de uma loira com um corpo escultural que também torrava ao sol. O marido da loira percebeu tudo e ficou impassível, mantendo o sangue frio e fingindo não ver nada. Douglas pensava estar passando despercebido e não hesitou em continuar tirando fotos da gostosa provocante.

Durante a noite, o suposto “marido de sangue frio” executou sua vingança: atraiu Douglas para fora do quarto com um silencioso e discreto pedido de ajuda. Logo no começo da trilha, a loira já estava à espreita e aplicou o primeiro golpe. O resto do serviço foi feito, quase profissionalmente, pelo marido. Voltaram para o quarto, transaram e dormiram pesadamente.

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