Atualizando a conversa sobre audiobooks

Livros sexta-feira, 10 de maio de 2019

Tem uma parada que eu nunca consegui gostar nesta vida: Audiobook, ou audiolivro, em brasileiro.

 Opa, não.

Eu achei que nunca tinha falado de audiobooks por aqui, mas muito pra minha surpresa eu já falei sim. Não foi surpresa nenhuma que seja texto reclamando sobre, e muito menos que o texto seja uma porcaria, mas como já diz o ditado, todo pokémon evolui, então vamos lá.

Talvez seja babaca da minha parte, mas eu não gosto de gente lendo pra mim. Eu aprendi a ler pra eu mesmo ler, muito obrigado. E isso vai tanto prum áudio gravado quanto pessoalmente: Se tem o material pra ler, prefiro infinitamente ler eu mesmo do que ter outra pessoa fazendo-o por mim, e enquanto parte disto se dá porque eu so um mala, boa parte tem motivos de verdade.

O primeiro e principal para mim é interpretação. Quem está lendo, está interpretando um texto. Não tem como não fazê-lo. E sendo a interpretação a chave pro entendimento do conteúdo, outra pessoa fazendo isto por mim tira parte do sentido da leitura. Se a leitura é para outra pessoa, ou seja, uma leitura em voz alta, imediatamente o texto deixa de ser o que está no papel e passa a ser o que está no ar, no som da voz de quem está lendo. O conteúdo não é mais apenas do autor da obra, é também de quem o lê (E olha que eu nem tô falando de livros que dependem inteiramente da interpretação do leitor – alô, Samarago).

Isso não é nescessariamente ruim. Porra, isso é literalmente o que acontece quando um ator faz uma peça, filme, série. A diferença aqui é que é um livro, não um roteiro… Não tem problema em transformar o livro num roteiro, mas imediatamente esse texto ganha novas características e qualidades que, por definição, o distanciam da obra original. Podem torná-la melhor, pior, pode até mesmo ser a mais fiel das interpretações possível, mas não é original, e quando o original é tão fácil de arranjar e consumir quanto o audiolivro, eu prefiro o primeiro: É a minha interpretação.

 Calma aí.

Outro motivo é a questão da interpretação dramatização. Aqui é uma questão de escolha, e boa parte dos livros que tem formato audiobook terá as duas versões: Uma na qual o texto é lido, a outra na qual o texto será dramatizado. O resultado do segundo é semelhante às antigas novelas e programas de rádio: Haverá interpretação dos personagens, descrições grandiosas, diferenciação entre personagens e narradores, talvez até mesmo mais de uma pessoa lendo e gravando o livro. Em outras palavras, é a diferença entre alguém te contar a história e alguém atuar a história.

De novo, eu não ligo particularmente pra nenhuma delas, mas a segunda, pra mim, é muito mais interessante: Justamente por conta do primeiro ponto, um audiobook dramatizado aceita logo de cara que será uma interpretação de quem o está lendo e gravando. Talvez haverão efeitos sonoros no meio do áudio, vozes diferentes pra cada personagem e tudo mais que uma produção possa ter: É uma adaptação. Semelhante à o que um filme ou série de TV faria só que obviamente sem imagem, é um trabalho que se aceita como uma versão da obra, não um que tente ser a obra (E, aliás, não digo isso como se um audiobook fizesse de forma ardilosa, é só parte da mídia).

 Quase lá…

Outra grande questão é quem vai ler e gravar o livro. É muito mais do que uma questão de simplesmente ler bem, tanto que boa parte de quem faz este trabalho são atores e atrizes. Deve ser um baita pé no saco escolher alguém pra gravar um audiolivro: Cê tem que ter certeza que a pessoa conhece o livro, os personagens, tenha boa enunciação, bom ritmo, uma voz agradável… E tudo isso tem que bater com a obra em si. Imagina aí o Clint Eastwood fazendo um audiobook do Nicholas Sparks. Claro que tem escolhas muito boas de gente pra fazer um treco desse, mas a real é que a grande maioria não tem. É muito trabalho pra muito pouco retorno, e o resultado é que enquanto um audiobook pode ter uma pessoa excelente o lendo, isso não significa que esta pessoa seja a melhor pro trabalho, e imediatamente o resultado final é prejudicado.

Junto dessa história entra o fato de que tantos e tantos audiobooks não são feitos de forma profissional, mas de forma amadora por gente que gosta da mídia, ou da obra em questão ou que simplesmente tá fazendo um bico pra pagar a gasolina. Independente de o audiobook ser um produto ou não (Ou seja, de estar sendo cobrado dinheiro por ele), se estamos falando de produção amadora, a preocupação com a qualidade técnica tem logo que vir à mente. Quantas pessoas que não trabalham com áudio vão realmente investir em uma boa isolação acústica, bons microfones, bom hardware e software? Como vai ser a edição desse treco? A pós-produção? Porra, vai ter pós-produção?

E, claro, eu tô sendo bonzinho com produções profissionais. O que tem de editora fazendo merda por aí, já com livro de papel e ebook, não é brincadeira, agora pensa em misturar som na coisa toda. Óbvio que dá pra ter bons resultados, entre escolha de quem vai ler e qualidade do áudio, tanto em produções amadoras quanto profissionais, mas também é fato de que boa parte é ruim. Muito ruim. E tem a parte que é tão horrível que até estraga o livro original. E como tudo na vida, a parte que é muito, muito boa não só é a menor, como também é a menor num mercado e mídia que passam infinitamente longe de ter todos os recursos das outras: Ninguém investe em audiobook o que se investe em serviço de streaming, por exemplo.

 Eita.

Outra coisa que deve ser dita é a única grande vantagem dos audiobooks: Cê pode consumir enquanto faz outras coisas. Não tem o que discutir, é uma vantagem real e óbvia da parada. Porém (E é claro que há um porém) cara, que bosta de vantagem. Serião.

Porra, cê quer uma história dramatizada? Ó o tanto de produções sobre isso na internet… Isso praticamente não existe mais no rádio, mas a internet tá aí pra isso. Cê tem várias e várias, dos mais variados tipos, temas, produções… São programas criados para serem em áudio, tal qual um livro é criado pra ter palavras escritas, e isso é muita foda. Tem todas as suas características e particularidades que já levam em conta as características e limitações da mídia. É o tipo de coisa que tem ainda menos incentivo que audiobook, então se você for hipster é dupla vitória.

Ou que tal se você quiser não uma história, mas um tema ou notícia qualquer sendo debatido? Meu amigo, se joga nos podcasts. Tem podcast de tudo nesta porra, a gigantesca maioria é de graça, e novamente, já é uma produção feita especificamente pra áudio, não precisa de adaptação. De quebra, com podcast, cê ainda pode interagir com quem faz a parada, talvez até participar do bagulho.

Mas você quer realmente ouvir uma obra que você já conhece? Liga a TV, bróder. Bota teu celular pra tocar e vai lavar louça. Assim você aproveita a interpretação e adaptação de um livro que você já conhece que teve todas as vantagens e facilidades de ser produzida com os recursos que a TV ou o cinema proporcionam. Claro que não há adaptações de tudo que é livro, afinal fazer um livro é muito mais barato e (Normalmente) mais rápido que fazer um filme, mas se for pra simplesmente ouvir O Senhor dos Anéis de novo, se joga, miga. Dezessete Oscars, cê quer mais o quê?

E (Finalmente) legal, cê quer ouvir o livro enquanto faz outra coisa. Cê tá com pouco tempo, acabou de fazer uma cirurgia ocular ou tá só com preguiça mesmo, então cê decide que passar roupa, andar de ônibus e fazer trabalho da faculdade são atividades relativamente tranquilas e fáceis, e que cê dá conta de fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, então por que não ouvir um livro também? Então deixa eu dizer: Cê não vai aproveitar absolutamente nada do que cê tá fazendo ao máximo. Cê ainda pode ter bons resultados, mas não vem dizer que você jamais limpou sua casa tão bem ENQUANTO nunca entendeu tão bem o que Gramsci quis dizer com “bloco histórico”. Dá pra aproveitar? Claro, mas cê não vai ter o melhor aproveitamento do livro. E porra, se for pra ouvir um livro que eu não vou aproveitar eu nem me dou ao trabalho.

 Só minha cabeça que é fodida ou esse porco aí é meio errado?

Essa coisa toda pode muito bem ser resumida em “eu gosto de silêncio e gente que não sabe calar a boca me irrita”, e eu sou assim desde criança e pra tudo: Gente reclamando do governo sem parar me enche o saco tanto quanto professor enchia quando a aula era só explicação. Afinal de contas, ler é uma tarefa silenciosa, e isso é um dos grandes motivos pelo qual eu gosto dela. A substituição deste silêncio por um audiolivro também derrota, ou melhor, troca, um dos pontos principais da coisa: Enquanto você pode não estar exercitando (E esse “exercitanto” inclui tanto “usando” quanto “esforçando”) sua visão, você está fazendo a mesma coisa com a sua audição. O argumento de que ouvir um audiobook é mais relaxante e menos cansativo que ler um livro não só é totalmente relativa quanto completamente idiota: Você só trocou o ponto de estresse. Sendo que a sua audição é mais facilmente afetada que a sua visão.

O grande ponto, então, de um audiobook é transformar uma atividade ativa que é a leitura, em atividade passiva. Não ouvir dá mais trabalho que simplesmente ouvir. Não ouvir dá trabalho igual ler. E velho, na boa? Enquanto há motivos reais e válidos pra essa escolha, a maior e mais comum é simplesmente preguiça. Preguiça de abrir livro, de ligar ebook reader, de pegar um jornal. Preguiça de botar óculos, de acender luz, de andar até a estante. Dar play e pause no tablet é muito mais fácil, cômodo e (Atualmente) está muito mais próximo da sua mão.

Eu sou preguiçoso pra caralho, eu entendendo, mas preguiça de ler não é uma que eu compartilho. Especialmente porque significa que, invariavelmente, haverão filtros entre a obra original e eu. Não é em primeira mão, e se for pra ser assim eu posso muito bem pedir pra alguém ler pra mim, posso assistir vídeo na internet explicando o livro e posso ler resumo na Wikipédia. Já que não vai ser a mesma coisa, sendo que a “mesma coisa” tá disponível normalmente, a preocupação com proximidade vai embora.

Não tem nada de errado em achar um meio termo, e é isso que os audiobooks fazem: Te dão a oportunidade de aproveitar uma obra, ainda que com perdas, em nome da facilidade, do conforto, do multitasking. Pra mim essa balança vai sempre pesar pro lado do original, mas se ela pesa pro outro lado pra ti, ótimo. Melhor ter o conteúdo que não ter, principalmente quando estamos falando em realmente não tê-lo de todo. Só saiba que o livro que você ouviu não é o mesmo livro que você leria.

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