Um funeral para o morto

Música quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Levei um bom tempo para me dar conta que o Queen tinha acabado. Era um dia comum, de final de semana, à tarde. Tinha ido à padaria com a minha mãe e enquanto ela comprava pão fiquei no carro, ouvindo um dos vários CDs da banda que temos (Uma das tantas coletâneas que insistem em lançar de tempos em tempos). O caminho todo de casa até a padaria tinha sido ao som do CD, mas naquele momento, no estacionamento, o que tocava era Another One Bites the Dust.

Nunca foi uma das minhas músicas favoritas da banda. Àquela altura já conhecia Queen há anos e anos, e tantas outras faixas ocupavam posições melhores na minha lista; ainda ocupam. Porém, naquela tarde, enquanto eu mal prestava atenção à música, foi quando me dei conta: Eu não iria ver (Ou ouvir) o Queen nunca na minha vida.

Simples assim. Claro que a morte de Freddie Mercury é uma parte do problema, mas não é apenas isso: John Deacon se aposentou, na época rolava o Queen + Paul Rodgers, já tinha mais de duas décadas desde o último álbum… O Queen já era, há muito tempo, o Queen que temos ainda hoje, e isso obviamente não é um elogio. Então foi assim que me dei conta de que jamais ouviria de verdade uma das bandas que mais ouvi na vida. O que é estranho de se pensar porque o mesmo é válido para tantas outras bandas, mais e menos importantes… Quem sobra, na real? Stones, Aerosmith, ZZ Top, U2 (Completando quarentão este ano), Demônios da Garoa, Iron Maiden, Scorpions. A lista já é pequena e dá pra reduzir ainda mais se formos levar hiatos, pausas, trocas de membros e contagem de álbuns à sério.

Ainda sim, a noção de que Queen tinha acabado e não havia forma possível de ter a experiência de vê-la ao vivo mudou alguma coisa. Algo parecido aconteceu com a morte do Chorão, e também quando, mais de um ano depois, enfim me dei conta que o Michael Jackson tinha morrido. Não é uma questão de morte de gente famosa, isso ocorre o tempo todo, é mais a realização da perda. E, em última estância, a aceitação de que, de algum modo, algo está faltando e não pode ser reposto. Imagina só como vai ser se o petróleo acabar mesmo.

A grande questão, talvez, seja que nada disso muda absolutamente nada para a música em si. Os álbuns gravados ainda existem, os shows foram feitos, a música de cada um deles está preservada. Pode-se dizer que a perda é do futuro, afinal “nunca saberemos o que mais eles fariam em vida”, mas pra falar a verdade, não saberíamos mesmo que estivessem vivos. Estar vivo não é garantia de absolutamente nada exceto de não estar morto, de música boa muito menos, e se formos ser sinceros com nós mesmos, é muito, mas muito fácil morrer musicalmente. Porque pra morte artística a vida biológica é apenas um detalhe. Para algumas pessoas essa noção de que é impossível saber o futuro é assustadora, mas já que estamos falando de música, ela só diz que o próximo single, o próximo álbum, o próximo clipe existem ao estilo Schrodinger. Infelizmente, na maioria das vezes, o bicho morreu mesmo.

Quando temos a oportunidade de parar e nos questionar acerca do nosso relacionamento com pessoas cujo trabalho e/ou obra admiramos a coisa sempre fica meio esquisita. Porque a gente não liga pra essa gente, e essa gente não liga pra gente. No fim das contas o que importa é a obra: Claro que a pessoa por trás dela é um fator determinante, mas se você realmente se preocupa se o Roger Waters tomou um café da manhã balanceado no dia do show, você tem problemas graves. E ele provavelmente vai ter problemas graves contigo, se você tiver a chance de chegar muito perto dele. Você, eu e qualquer outra pessoa quer outra música (Inédita, de preferência, sem esse monte de remix safado), outro álbum, outro DVD ao vivo de um excelente show, o resto da vida do artista que se foda. Porque não é problema nosso, e não deveria ser mesmo.

Mas, ainda sim, quando alguém morre ou tem outro coma alcoólico ou tem uma overdose de “remédios para dormir”, a gente tem um problema. Porque a obra dessa gente tá em risco. O que já foi feito e documentado está à salvo, mas não o futuro, e é o futuro que preocupa: O futuro pode ser ruim, pode ser muito ruim, pode até não ser ruim mas ser pior que o passado, o futuro pode ser um eterno revival do passado e pode também não ter um futuro. Biológico ou artístico.

É carência, na verdade, e medo. De perder o que se tem, ou pior ainda, de trocar o certo pelo incerto. Meu deus, como eu gostaria de perder o Queen que a gente tem.

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