Filme vs. Livro: Holding the Man

Primeira Fila segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Holding the Man é um daqueles filmes que ficam escondidos nas profundezas da Netflix e são sugeridos com base no que você vem assistindo. Eu não sei exatamente o que eu vi para aparecer entre os meus must see, mas o fato é que o mix de insônia com vontade de aproveitar ao máximo minha conta, que andava meio abandonada desde Black Mirror, me fizeram clicar pra conferir. Quase duas horas depois, posso dizer que dormi com uma grata surpresa e um travesseiro encharcado de lágrimas.

O drama de Neil Armfield, lançado em 2015, se passa entre 1976 e 1994, contando a história de Timothy Conigrave (Ryan Corr), aluno da escola Xavier, em Melbourne, que se apaixona perdidamente pelo colega John Caleo (Craig Stott). Enquanto o primeiro é um aspirante a ator, livre, consciente da sua sexualidade, o outro é capitão de futebol do colégio, filho de uma família rígida e pouco experiente em relacionamentos. Rapidamente os avanços de Conigrave se mostram frutíferos e ele consegue quebrar as barreiras de Caleo, uma a uma e, conforme o tempo passa, o sentimento de cumplicidade, amizade mas, principalmente, amor, só crescem.

Quando entram na faculdade e saem do mundinho adolescente da casa dos pais, Tim e John entram em colisão sobre como conduzir o relacionamento a partir daquele ponto. Tim quer ter novas experiências com outras pessoas sem perder o homem que ama. John não vê necessidade, pois encontra no parceiro tudo o que precisa. Essa fenda que se abre entre os dois só aumenta quando o ator se transfere para um Instituto de artes dramáticas e passam a viver um iô-iô emocional a distância e, de quebra, o diagnóstico de HIV cai como uma bomba sobre eles.

O longa é envolvente e, mesmo com aquela carinha de baixo orçamento, a dupla de protagonistas segura o papel muito bem. Especialmente Scott, que vai de uma forma física vigorosa à deterioração impressionante de seu John. Uma história de amor que atravessa décadas é um clássico que sempre funciona bem nas telas e envolve o público, mas o elemento LGBT é uma traulitada na cara, porque devassa todos os preconceitos que esses casais conhecem muito bem, especialmente em uma época onde a homossexualidade era sinônimo de promiscuidade. Enquanto Tim de fato o era, tentando preencher um vazio existencial através do sexo com múltiplos parceiros, John sempre pertenceu a ele. E só a ele. O filme dá a impressão de que seus olhos só olhavam para uma única direção e, além de Conigrave, nunca houve outro homem sequer em pensamentos. A relação foi avassaladora, em todos os sentidos, do início ao fim.

O filme me causou uma impressão muito positiva e, pesquisando, descobri que era a biografia de Tim Conigrave himself que, dos palcos, foi para os bastidores, se tornando autor de diversas peças e com um tino para a escrita talvez até maior do que para a interpretação. Holding the Man, o livro, é muito mais denso e acompanha de perto a descoberta da homossexualidade de Tim e mostra que ele já havia tido muitas paixões, inclusive um crush que admitiu que a “amizade” entre eles seria muito mais fácil se ele fosse uma menina. E, apesar de todo o preconceito, Conigrave era afortunado por ter uma família que o apoiava e amigos que não se importavam com a sua sexualidade. Sua vivência foi muito mais livre e fluida do que a de John, que não tinha dúvidas sobre o que sentia pelo namorado, mas demorou até permitir avanços sexuais, algo explorado de forma superficial na versão cinematográfica.

A crescente paixão do autor por John também é muito melhor contada no livro. Enquanto no filme isso é jogado para o público captar e elaborar, sem nenhum background, lendo a história eu consegui sentir todos os frios na barriga que Tim deveria sentir enquanto esperava pelo jovem jogador de futebol no portão do colégio, a expectativa da presença dele em sua primeira peça de teatro, seu fascínio pelos cílios do rapaz desde a primeira vez que o viu e a estarrecedora constatação de que ambos sentiam a mesma coisa, afinal, ao contrário de Conigrave, John represava o entusiasmo que sentia pelo ator. Quando esse sentimento transborda, é de arrepiar.

Apesar de objetivo em quase todas as páginas, o relato tem trechos erráticos, cujo tom destoa do resto. Não sei se são licenças poéticas, afinal, é a sua história de vida e ele era – no fim das contas – autor de teatro, ou se fruto da neurotoxoplasmose, adquirida após descobrir que era HIV+, o que comprometeu muito sua memória e cognição, especialmente em seus últimos anos de vida.

Mais do que uma biografia, Holding the Man é uma ode ao amor e, principalmente, uma última homenagem à John Caleo, seu melhor amigo e o companheiro de toda uma vida. Breve, é verdade, mas intensa. Foi o jeito que ele encontrou de eternizar essa relação e torná-la sagrada, imune ao tempo e às ausências causadas pela doença. Apesar de ser superior ao filme em todos os sentidos, não tira qualquer mérito do trabalho de Neil Armfield. O longa causa a mesma ternura, revolta e tristeza, só que em proporções menores. Mas, certamente, faz jus a Caleo, Conigrave e tudo o que representaram para a comunidade gay enquanto militantes mas, principalmente, o que significaram um para o outro ao longo dos 15 anos de relação.

“A coisa mais difícil é sentir tanto amor por você e, de alguma forma, não ser correspondido. Eu desenvolvo paixões todo o tempo, mas é só um desvio da necessidade que tenho de você. Você deixou um buraco em minha vida, um buraco negro. Nada que eu puser lá poderá ser devolvido.”

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