As Viúvas do Rock

Música quarta-feira, 11 de maio de 2016

O viuvismo é um fenômeno conhecido há muito, muito tempo. É aquela gente saudosista e nostálgica ao ponto da estupidez, uma vez que ser viúva requer, primeiro, ser fã, e como todos sabemos, todo fã é um idiota. Na música não seria diferente, e mesmo hoje, já há quinze anos avançados dentro do século XXI, a coisa não mudou muito.

Vamo reclamá.

Se você nunca teve a felicidade de encontrar gente cantando Pais e Filhos de madrugada, nem teve que ouvir um cover de Gita num boteco, ou ainda não se deparou com ninguém de cabelo ensebado e camisa de flanela xadrez no ônibus, parabéns. O resto de nós não teve tanta sorte.

Mas o ponto não é essa gente específica, mas sim uma galera mais abrangente: As viúvas do rock.

Porque todos sabemos que o rock morreu. Não com o punk, não por causa do hip hop, e muito menos ao lado do roll. O rock morreu numa vala qualquer, foi enterrado como indigente e ninguém pensou em olhar os documentos na carteira do bróder, porque a família continua esperando ele voltar da feira.

O rock morreu no instante em que parou de ser feito. Porque sejamos sinceros, se o rock é pra se rebelar contra o que for, a sua banda pode ser a banda mais incrível do mundo mas não faz diferença nenhuma se continuar underground. Claro que aí entra a questão do espaço na mídia, a competição por espaço, o excesso de material e blá blá blá, mas as condições não importam, importa o resultado, e a tua banda (E nenhuma outra banda, na real – nem mesmo alguém solo) não tá fazendo porra nenhuma. Em outras palavras, essa coisa de “o jeito de vencer o sistema é não jogando seu jogo” não cola. O rock já foi e ainda é muita coisa, e isso inclui a ideia meio simplista de que basta “derrotar o sistema no seu próprio jogo” pra tudo melhorar. É um idealismo meio bobo, mas não por isso menos importante.

O rock, portanto, está dividido: O que tem a ideia de ser contra o que for, o rock que tem uma causa pelo qual lutar, não luta, mas se esconde entre seus iguais; o rock que não tem seu ideal, que se vendeu, é o que tem o espaço, o que tem voz, e a usa para manter o fatídico status quo. Então o rock morreu. Há quem culpe o desmembramento, a evolução natural do estilo em diversos subgêneros, mas não é algo válido: Rock é rock, o estilo é irrelevante uma vez que apenas determina musicalmente (E não em termos de ideais) como sua mensagem será passada.

Só para encerrar o assunto: A culpa é de quem faz rock e de quem ouve rock. Tudo farinha do mesmo saco.

 Será que alguém já usou cocaína pra fazer bolo? Tipo literalmente, não só misturado no meio? Dois ovos, uma colher de sopa de margarina, sal a gosto e um quilo de coca?

As viúvas do rock tão no meio desse rolo aí porque decidiram que o rock bom tem algumas décadas de vida. Porque caso você ainda não tenha notado, a última vez que algum tipo de rock exerceu sua função músico-social em toda sua extensão tem mais de vinte anos. Não importa se é pelo Legião Urbana, a formação clássica do Black Sabbath, o Nirvana, o Cazuza, os Sex Pistols, os Los Hermanos, o Slipknot ou ainda a galera que jura que os Beatles zeraram o rock no início da década de 70, essa gente toda não só é um gigantesco pé no saco, como também é responsável por manter o rock debaixo de sete palmos de terra.

Porque é isso que acontece quando você declara que tudo que deveria ser feito já foi feito, e que não tem porque fazer mais nada: O bagulho para.

São as viúvas que permitem que o Queen continue existindo. Que o Legião Urbana continue existindo. Que mantém dezenas de boas bandas no underground, uma vez que só The Who e Pantera merecem espaço na rádio. Que, ao ir num show, armam um barraco do caralho quando o músico não toca as mesmas músicas greatest hits ao invés de material novo. As viúvas do rock não são um bando de tias velhas na aula de aeróbica reclamando de como o mundo mudou e perdeu o sentido, mas sim o tipo que bate na tua porta todo dia pra reclamar de como você cuida da sua vida.

Vou dizer o óbvio pra variar: O mundo não é o mesmo de vinte anos atrás. Quando o John Lennon falava em paz mundial, o mundo era diferente. Você pode querer paz mundial hoje, a mensagem de qualquer música não perde sua validade, mas não dá pra resolver os problemas da Síria, do Brasil ou da Ucrânia enquanto se fala em Cortina de Ferro, Vietnã e Cuba. Estudar história é importante, mas querer resolver os problemas do mundo do jeito que Julio Cesar faria não rola. A galera esquece que se o bagulho não tá resolvido hoje é porque a parada já deu errado. Eu tô olhando pra ti, socialismo.

Eu não ouço só rock, mas é meu gênero favorito, e isso significa que boa parte do meu tempo ouvindo música é dedicado à área específica. Isso significa que quando eu ligo o rádio eu boto na 89 FM, ou na Kiss FM, ambas daqui de São Paulo, mas sei que tem várias outras pelo resto do país. Quando abro o YouTube, quando coloco o fone de ouvido no celular, quando escolho os CDs pra deixar no carro: Quando eu quero ouvir música, minha primeira escolha é o rock em seus mais variados estilos. Eu ouço várias outras coisas, e nunca neguei o monte de porcarias que eu gosto também, mas meu deus, tem hora que o que eu mais gosto me cansa.

E não é porque encheu o saco e quero variar, mas porque o rock que toca tem quarenta anos e me diz que é uma baita sacanagem as mulheres não poderem usar calça. E esse bando de filho da puta aplaude isso e acha que o top 10 da semana não é totalmente comprado pelas gravadoras e equipes de relações públicas. Eu sei que o AC/DC só tem um álbum e que o KISS não vai fazer mais nada até todos morrerem, e eu gosto de ouvi-los, mas véi, sai daí. Já deu.

Clássico.

Mas se você bota na rádio tá tocando Comfortably Numb, o Spotfy indica a nova faixa do Jack White, a galera começa a jogar copo de plástico no palco se o Lulu Santos não toca Como Uma Onda e o Imagine Dragons continua no topo das paradas. Metade da gente que tem as músicas mais tocadas atualmente ou já morreu ou tá com o pé na cova e deixou de ser relevante décadas atrás. A maioria dessas bandas sequer existe mais. E a outra metade é completamente indiferente. Porque você pode falar o que quiser do Deep Purple, mas eles fizeram diferença nos anos 70. Eu corto meu pau fora se, em quarenta anos, a gente estiver falando de Halestorm e Malta.

O rock que tem espaço hoje não é mantido por quem gosta de rock. Simples assim. Porque o rock mainstream é tão diluído que só chama rock porque tem guitarra na música. O rock que tem voz é simplesmente inofensivo, e apela à quem gosta de pop, dos pós-qualquer-coisa e quem caiu de paraquedas na brincadeira porque no meio da música tem um trecho de rap. E enquanto o rock que faz as vezes de espalhar sua mensagem é mantido por se distanciar do rock, o rock que ainda é rock está travado pelas viúvas que não conseguem imaginar um mundo no qual seu artista favorito não tem menos de quarenta anos e três overdoses nas costas. O mesmo filho da puta que reclama da presença do Nx Zero nos festivais de música é o filho da puta que vai no bar pra ouvir cover de Iron Maiden e reclama se a banda quiser tocar algo próprio.

E aí entra a segunda metade da morte do rock: O público reclama quando a banda não faz o que o público quer, então ou a banda faz e fode o bagulho ou não faz, perde espaço, e passa a declarar que é melhor se limitar ao passar pela mesma experiência de novo.

Mas porra, a banda não tem como ganhar assim!

É claro que não. O problema é um ciclo vicioso porque obviamente banda que não agrada o público não fica no palco, ainda mais se o público for uma merda. Acontece que se você corta seu pé fora pra poder andar de muleta você não ganhou a muleta, você perdeu o pé. O rock morreu porque o público só quer velharia conhecida e os artistas se conformaram com isso. Se alguém, em pleno Woodstock, subisse no palco e gritasse “conformem-se” o meio milhão de hippies que estavam pregando paz mundial e amor incondicional, linchariam o cara. Isso fala muito sobre os hippies? Claro, mas também fala muito sobre o que hoje chama-se de “banda de rock”. A Janis Joplin teria um piripaque tão forte que o Serguei virava funcionário público.

Então o resumo da ópera: É culpa de todo mundo. O público não quer o que o rock tem a oferecer, já que se for pra fazer o que o rock teria de fazer, seria incômodo. Independente do quão unidimensional possa parecer toda essa história de sistema, rebelião, revolução e conformismo, isso é parte integrante do rock. E, claro, se mexe com o bolso e o conforto das pessoas, há um problema. O público não quer problemas. As bandas não querem problemas. Talvez todo mundo hoje, artistas e fãs, sejam inteligentes demais pra se deixarem enganar pela promessa de um mundo perfeito através da música, e digo isso sem ironia nenhuma. Eu só queria que essa gente parasse de fazer e comprar música sobre como o rock morreu sem botar a mão na massa e dar a cara a tapa.

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