Série Tratados: Ramones e o punk

Música sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Eu sou fã dos Ramones. E isso porque eu não gosto de usar a palavra “fã”. Como disse Jack Beauregard, em Meu Nome é Ninguém, “quando você fica fã de alguém, começa a se mostrar, se arriscar; quando menos percebe, está morto.” Mas nossos tempos são maricas demais pra isso, então aqui corremos o risco de ser ridicularizados em alguma rede social, enfim. Mas o ponto aqui é que eu gosto pra cacete de ouvir Ramones. Eu ouço música clássica, jazz, country, e várias bandas de rock, mas sempre volto pros três acordes.

Como toda pessoa que gosta muito de Ramones, já ouvi todas as piadinhas e críticas sobre três acordes, letras simples, falta de solos, falta de técnica, etc, etc. Só que eu nunca me exaltei com ninguém por conta dessas coisas. Primeiro porque seria ridículo brigar por banda e segundo porque é quase tudo verdade. A grande maioria das músicas tem três, talvez quatro acordes, arrumados de maneira melódica o suficiente pra você notar que é uma música, não uma serra elétrica ligada. As letras deles variam bastante, falam sobre coisas românticas (No melhor estilo Beach Boys), coisas da vida do vocalista Joey (Mental Hell, do álbum Animal Boy, por exemplo), do baixista Dee Dee (53rd and 3rd, nunca confirmada, mas, enfim…), e eventualmente de outro integrante da banda, assim como outras coisas que apareceram esporadicamente, como discos voadores (Zero Zero UFO), lugares, (Rockaway Beach), livros do Stephen King (Pet Sematary), piadinhas de guerra misturadas com humor negro, como a famosa passagem de Today Your Love, Tomorrow The World:

“I’m a shock trooper in a stupor, yes I am / I’m a nazi schatze, ya’know, I fight for the fatherland”

Schatze significa “queridinho”, ou algo assim, em alemão, se não me falha a memória. Mesmo com vários temas, eles jamais saíram da simplicidade nas letras, e isso incomoda quem acha que toda música boa precisa ser uma versão musicada de Os Lusíadas ou algo assim.

Técnica? Johnny nunca fez mais do que aquilo que aparece nas gravações mesmo. Mas ele não precisava, os Ramones não queriam tocar progressivo nem metal. Eles faziam muito bem o que se propunham a fazer, e isso é o que importa.

 Johnny Ramone

George Starostin, crítico, escreveu em seu site um artigo sobre os Ramones que explicou veementemente tudo aquilo que eu nunca soube dizer diante dos críticos da banda. Traduzo aqui uma parte, e concordo até com os espaços entre as palavras:

Os Ramones eram minimalistas. Conscientemente ou inconscientemente, eles acharam o coração do rock, sua mais crua essência – eles o abriram até os ossos e mostraram pro mundo seu coração batendo, usando seus acordes de serra elétrica, suas linhas de baixo de uma nota, a batida quatro por quatro da bateria e o simples, mas melódico, rosnado do seu vocalista principal. Porque os Ramones eram melódicos, praticamente a banda punk mais melódica que já pôs os pés nesse planeta. Por dentro, esses caras eram os Beach Boys, criancinhas ingênuas pra quem o surf rock representava a melhor saída dos horrores da sua vida diária de adolescente.

Sobre o primeiro álbum deles, diz Starostin:

Alguns tiram a alma do Rock ‘n’ Roll. Outros põem a alma de volta no Rock ‘n’ Roll. Esse álbum É a alma do Rock ‘n’ Roll.

Atentem para um detalhe: “Rock ‘n’ roll” aqui significa aquela música pioneira, ora conhecida por Rockabilly, surgida nos anos 50 e 60, do meio de bandas como Beach Boys, The Ventures, e gente como Chuck Berry e Ritchie Valens. As músicas fundamentais dos Ramones são ecos do que eles viram nesses tempos áureos, das melodias primárias tocadas há 60 anos, que eles simplificaram ao máximo, mas que estão lá.

Como muitas bandas, eles sofreram com o tempo, mas pararam de tocar na hora certa. Ao contrário da maioria dos grupos de rock, o maior álbum deles foi e sempre será o primeiro. Clássico. Intocável. Depois disso foi só como se eles estivessem contando a mesma piada a segunda vez, o que não é ruim, mas nunca superaram aquela primeira gravação. Sofreram de sintetizaritis nos anos 80 (Mais precisamente no álbum Animal Boy, 1986), e tiveram ataques de metal barato (Geralmente culpa do Dee Dee) na mesma década (The Crusher, Bop ‘Till You Drop).

 O primeiro, clássico.

Tommy Ramone (Tamás Erdélyi), primeiro baterista dos Ramones, em uma entrevista, sobre o rótulo de “punks”:

De repente começaram a nos chamar de ‘punks’, acho que o nome pegou.

Adendo:

Uma das grandes infelicidades do mundo da música foi a existência dos Sex Pistols e o estereótipo atual do “punk” ser ligado diretamente à eles. Agressividade sem propósito, letras de “protesto” ridículas, tudo malfeito e fútil, o que aliás a banda sempre foi desde que foi montada. Bem, minha raiva pelos Pistols é questão de gosto mesmo, não vou tentar nenhuma análise maior deles agora ou eu correria o risco de só soltar xingamentos. Deixemos para outra ocasião.

Mas, eu acho realmente incrível só lembrarem dessa merda e esquecerem os Ramones, que inventaram todo o troço pra começar e ensinaram aqueles delinqüentes, e também o Clash, que sempre soube fazer letras boas, com críticas realmente inteligentes, como na clássica London Calling.

Enfim. Punks “de verdade” eram os Ramones. Caras simples que tocavam música simples. Não sujavam nada com críticas malfeitas, não criavam confusão à toa. Fizeram um show no ano-novo de 1976, e daí surgiram bandas boas e porcarias musicais, e essas últimas deturparam a música produzida pelos garotos de Nova Iorque e fizeram virar o lixo que é hoje.

Se eu gosto de punk? O punk dos Ramones, só.

Obs: Pretendo fazer uma série de textos (mais ou menos) quinzenais, nos quais eu divagarei sobre vários assuntos (que me derem na telha). Aguarde e confie, ô pissiti (putz).

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