O Artista (The Artist)

Cinema segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

 Hollywood, década de 20. George Valentin é uma grande estrela de cinema que se preocupa com o futuro de sua carreira, já que com a chegada do cinema falado, ela pode ir por água abaixo. E enquanto isso, ele se apaixona por Peppy Miller, uma jovem dançarina que busca o sucesso.

Uma péssima sinopse para um filme tão bom. Melhor do que mil palavras, O Artista se destaca apenas por ser o filme certo na hora certa. Em 1928, com certeza não seria o momento certo para lançar um filme mudo. Naquele ano foi lançado o primeiro filme falado, O cantor de Jazz. E depois disso, todos os grandes deuses do cinema foram desaparecendo, subitamente. A única exceção foi Charlie Chaplin, o maior de todos e talvez o único realmente merecedor da alcunha de gênio do cinema. Este filme foi feito para todos os fãs de grandes artistas como Chaplin foi. Os filmes falados varreram para debaixo do tapete toda uma constelação de estrelas que se baseavam em caretas para nos dizer o que os roteiristas queriam. “Naquela época nós não precisávamos de diálogos. Nós tínhamos rostos.”, teriam dito, da mesma forma que o galã George Valentin diria em sua defesa. Os rostos que comandavam a era de prata do cinema normalmente não tinham sequer uma pronúncia ou um sotaque adequados (A xenofobia era assumidamente muito maior naqueles anos) e alguns simplesmente se recusavam a falar nos filmes. Foi o crepúsculo de muitos artistas. É exatamente sobre este período que o diretor francês Michael Hazanavicius deseja nos falar em O Artista. Ou melhor, não falar!

O que gerou todo o barulho em torno do filme, é porque ele é mudo, e em preto e branco. A história é completamente recheada de clichês e não traz nenhuma novidade. Jean Dujardin, o ator francês responsável pelos trejeitos de George Valentin, até então era pouco conhecido, tendo feito somente uns poucos papeis em comédias sem graça dirigidas pelo diretor Hazanavicious. Mas é de onde se menos espera que pode surgir algo de bom. O ícone do cinema mudo que vê a carreira ameaçada pela chegada dos filmes falados não está ali para ser simplesmente visto. Este é um filme também para ser ouvido, mesmo sendo mudo. O formato da janela 1,33:1 igual à dos filmes antigos, pode até gerar estranheza, mas é capaz de tocar até mesmo o espectador que nunca viu um filme mudo. E de todos os clichês mostrados um a um na tela, temos uma aula de como se faz cinema, independente de ser um filme velho ou um novo, mudo e preto e branco ou em 3D. Tive a impressão em vários momentos que via um filme antigo de verdade. Muitas cenas memoraveis e muitos truques velhos, usados para prender a atenção do espectador, estão ali, junto a truques novos. O esmero da produção deveria ter sido premiado com mais indicações ainda (Mesmo que não vença em todas). O filme foi rodado em cores, com falas e tudo, e depois convertido em um filme mudo e preto e branco, tudo para facilitar a escolha dos tons e para não exagerar nas caretas dos atores. Muito esforço desprendido para realizar uma das melhores homenagens que o cinema poderia fazer a si mesmo.

Mesmo assim, nas sessões onde o filme vem sendo exibido, o mais comum tem sido ver diversas pessoas saindo da sala durante os primeiros 15 minutos de exibição. Ou até pior que isso, milhares de comentários recheados de gracejos, causados pelo hype do filme, que por onde passa coleciona prêmios e mais prêmios. Nada mais hipster que querer correr contra a maré e ser totalmente do contra. Os aplausos empolgados no final são a melhor resposta ao desdém. O que faz de O Artista um filme cativante é a fidelidade à linguagem do cinema mudo, bem como as constantes brincadeiras sobre as limitações de se fazer um filme (Quase) todo sem som. Não há nada de novo, mas o esforço geral é tamanho na reconstituição de época que não há como não se divertir com as caras e bocas dos atores, a trilha que nos faz sair cantarolando na volta pra casa, as piadinhas que são as mesmas de 80 anos atrás e o cachorro Uggy, que rouba todas as cenas e conseguiu até mesmo mobilizar uma campanha na internet em prol da sua indicação ao prêmio de melhor ator coadjuvante. A crítica em relação à substituição do velho pelo novo, mostra a rápida transformação do cinema mudo em falado e faz uma comparação inevitável com as atuais mudanças no mundo dos blockbusters. Há 80 anos era preciso se reinventar para não ser esquecido totalmente pelo público.

Confesso que achei muita ousadia, em tempos de óculos 3D e som THX, quererem lançar um filme mudo, feito por franceses à maneira antiga, intitulado simplesmente de O Artista, e que ele seja um dos favoritos ao prêmio de melhor do ano. “Se você quer ser uma atriz, precisa ter algo que as outras não têm”, diz Valentin à iniciante Peppy Miller (Berenice Bejo) em um momento da história, e a frase se encaixa perfeitamente na relação com as outras produções concorrentes. Os pseudocults sempre ficam a postos pra reclamar de filmes com histórias simples que recebem muitas indicações ao Oscar. Mas o que faz O Artista ser merecedor de cada uma das 10 indicações é exatamente isso. O empenho de cada ator em reaprender a se expressar da forma antiga, depois de tantas décadas de cinema falado me fez pensar que talvez devessemos ter um pouco disso para reaprender a ver os filmes como víamos antigamente.

O Artista

The Artist (100 minutos – Drama)
Lançamento: França/Estados Unidos, 2011
Direção: Michel Hazanavicius
Roteiro: Michel Hazanavicius
Elenco: Jean Dujardin, Bérénice Bejo, John Goodman, James Cromwell, Penelope Ann Miller, Missi Pyle, Beth Grant, Ed Lauter, Joel Murray, Bitsie Tulloch

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