Não leia Stephen King

Livros segunda-feira, 02 de fevereiro de 2015

Então, tava eu de boa, suave na nave, quando me deu um estalo, “quero ler Stephen King“. E foi o que eu fiz: Tenho um livro dele que tava rolando faz tempo aqui em casa e que eu nunca tinha tido vontade sequer de abrir por ser um tanto grande em suas 860 páginas. Mas já que tem o livro aí e a vontade bateu, por que não? Ora, vou lhes dizer o porquê.


A segunda coisa a me ocorrer naquele fatídico dia foi “hm, mas Stephen King costuma ser chato”. Esse chato não é chato de chatice, é chato porque os finais são idiotas, porque há uma diarreia de capítulos desnecessários, porque metade de uma construção é jogada fora num plot twist sem importância e porque se você já leu alguma coisa dele, já leu uma gigantesca parte de sua obra. Mas como eu estava com tempo livre e já tinha um bom tempo que eu não lia nada, fui em frente.

O livro foi A Dança da Morte, The Stand no original. Minha edição é de 1990 e se o título já é uma tradução ruim, o resto dele chega a ser triste. Tendo sido publicado em 1978, dá para se ter uma ideia da janela temporal que a coisa cria: A história se passa em 1984 (Proposital ou não, vocês me digam) e conta como uma nova forma de gripe criada em laboratório arrasa os Estados Unidos o mundo, deixando poucos sobreviventes que são imunes à coisa. Enquanto isso, surge um cara, Randall Flagg, que é um tipo de cruz-credo que quer destruir a porra toda. O bagulho então se divide: Os sobreviventes que vão pro lado do Flagg, ajudá-lo a fazer as paradas do mal, e os que vão pro lado da Mãe Abigail, uma velhota do interior da puta que pariu que é a escolhida de Deus pra juntar o resto das pessoas.

 Já ouviu falar em capa genérica?

Vou tirar um parágrafo pra explicar isso aqui: Como eu já disse o livro foi publicado em 1978 e a minha versão é de 1990. Acontece que em 1990 lá nas gringas foi publicado a versão sem cortes, que aumentou a história em 330 páginas, incluindo um novo prólogo, novo epílogo e umas paradas no meio, além de “atualizar” a história para os anos 90. Atualmente você acha essa versão estendida em português, entretanto a minha é baseada na primeira versão.

A história é aquela alí, mas vou adiantar algumas coisas: A gripe e o Randall Flagg não estão ligados, e caso você seja fã de Stephen King boa sorte sim, é o mesmo Randall Flagg, ou Walter o’Dim, que aparece n’A Torre Negra. O livro também tem vários problemas “de fundo” que acabam se tornando claros na história: Segundo tio Stephen uma de suas inspirações foi o caso de uma americana que foi sequestrada por terroristas, acabou se juntando à eles, foi presa, condenada e depois mandou o migué de “eu não faria isso se fosse eu mesma”… Aí tio Stephen disse que não era nada disso e que nunca tinha tido inspiração com o caso. Aí ele diz que outra inspiração foi o livro Só a Terra Permanece, de George R. Stewart, que tem praticamente o mesmo plot ui, “plot”… Assim é fácil ter inspiração… Até ele dizer que quis fazer um Senhor dos Anéis numa ambientação americana, e aí você pode jogar tudo pro alto.

E outra coisa que me deixa fulo com deus e o mundo é nego dar a cartada do “eu tive bloqueio” pra tentar explicar merda feita, algo que, após ler o final do livro, é uma saída tão safada que me faz considerar não ler mais nada do tio Stephen… Não que eu vá ler outra coisa dele tão cedo.

O troço já foi adaptado pra uma minissérie de 1994 e pros quadrinhos pela Marvel (É claro). Não li o segundo e não assisti o primeiro, mas só de ver o casting (Estou meio exibido hoje) e discordar de mais da metade dele, a vontade foi embora. Tio Stephen fez a adaptação pra série, e o fato de que a maioria das críticas nas gringas tanto pro livro quanto pra série são do troço ser cansativo e desinteressante já dizem bastante.

Já teve rumores também de uma adaptação pro cinema, que começou em 2011 e que, ano passado tomou mais forma: Se você procurar um pouco vai achar várias notícias de gente que estava sendo cotada para os papéis, incluindo o Matthew McConaughey e o bátema Christian Bale, duas péssimas escolhas também… Por incrível que pareça, as adaptações de baixo custo tosquíssimas da obra do Tio Stephen se saem melhor na escolha de atores do que as grandes. Aliás, o que se diz é que a coisa pode acabar se tornando uma série de quatro filmes para “ser fiel à amplitude da obra”… Quem sabe O Hobbit não tenha mudado essas ideias.

 Aparentemente a série foi reescrita… O que raramente dá certo, mesmo pro que já é ruim.

Mas chega de prelúdios, por que não ler Stephen King? Porque vez após vez você vai se deparar com centenas e centenas de páginas gastas para ambientar um mundo que basicamente é o mundo real (E que cada americano já conhece, diga-se de passagem), onde os personagens terão diálogos e mais diálogos, buscas espirituais, discussões morais e provações intermediárias que os desenvolvem até a profundidade de um bueiro entupido para, de forma corrida, desconexa e tão absurdamente conveniente que, após ler, você se dará conta de que o sentimento reinante é a indignação.

E o sentimento não é com o livro ou com o autor, é com você mesmo. Não é minha primeira vez, não é minha segunda vez… Eu sou idiota, mas pelo menos posso reconhecer a estupidez em mim mesmo.

Por que eu leio? Porque Stephen King tem boas ideias. Não estou falando de chaleiras assassinas, presenças malignas inexplicadas, possessões ou o sequestro de folclores quase extintos (Pensem nisso: Se um folclore se extingue é porque ele não serve mais para explicar alguma coisa nem mesmo para o povo que o inventou), mas pequenas ideias, aquele tipo de coisa que você encontra no meio de uma frase qualquer, mas que é legal pra caralho. Em outras palavras, leio Stephen King porque ele me dá ideias.

E isso é muito foda. Você teve uma ideia por causa de algo sem importância que estava alí, meio que jogado, mas imediatamente após ter tais ideias algumas outras coisas me ocorrem. Primeiro que normalmente essas ideias são muito mais legais do que eu estou lendo, e você vê que é o tipo de coisa que foi escrito conscientemente, não que simplesmente calhou de ter ficado daquele jeito naquela frase ou trecho: Então porra, como é que alguém tem uma ideia dessa, que é melhor do que o que você está fazendo, e não a aproveita? Como é que você deixa algo assim passar? E o pior é que mesmo sendo algo escrito conscientemente, você vê que não é o tipo de coisa deliberadamente pensado: A frase, como parte do livro, foi pensada, mas a grande ideia que ela sugere simplesmente surge, desaparece e nunca é aproveitada, seja na mesma obra seja em outra.

Por que não ler Stephen King? Porque no meio de uma obra você vai se deparar com possibilidades incríveis, que se desenvolvidas tornariam tudo muito melhor, mas que são deixadas de lado em prol de coisas sem importância alguma para a história, e que não adicionam nada para a obra. Porque você vai ter um autor que, sejamos sinceros, tem um estilo leve e rápido de ser lido, e que tem carisma, mas que gasta o tempo escrevendo sobre a vida comum, que inevitavelmente será jogada no lixo centenas de páginas à frente, porque afinal a história precisa acontecer e ele é um autor de ficção fantástica.

E fica nesse balanço eternamente, tipo quando você e outra pessoa querem passar pela porta ao mesmo tempo, e não conseguem acertar o lado que cada um vai passar… Acontece que aqui não fica só aquele momento meio sem graça: Ambos tentam passar ao mesmo tempo, e inevitavelmente acabam tendo que se esfregar olha a dica prosa migos aí para passar. As ideias estão lá, o conhecimento técnico está lá e eu sinceramente acredito que ao menos um pouquinho de talento está lá também: Ele não precisa mais brigar por um espaço ao sol, não depende de cada livro vendido para sobreviver, tem o espaço, material e recursos para fazer as pesquisas, experiências e tentativas que bem quiser… Mas só sai mesma coisa.

Não me entra na cabeça como alguém pode jogar pro alto tantos pontos à favor de si mesmo. Você pode me dizer que é a fórmula que dá dinheiro, que os fãs de longa data não vão gostar de mudanças, que o acidente deixou sequelas (A Dança da Morte foi escrito antes disso) ou qualquer outra coisa, e a resposta para todas elas é o bom e velho foda-se. Incrível como está tudo bem ir contra tudo e todos na hora de começar, mas depois que se faz sucesso é proibido. Em momento algum eu aceito esse tipo de argumento como válido, do mesmo jeito que não posso aceitar o esbanjamento de recursos, habilidade e talento, e um motivo é um só: Ainda que o resultado seja ruim, houve a tentativa. E se isso parece conversa de autoajuda, digo que a tentativa é válida não pelo resultado que ela provém, mas pelas possibilidades que ela abre. Stephen King há anos lida com os mesmos problemas em suas obras e sua escrita, há anos dá aquelas pequenas incríveis ideias à torto e à direito e as ignora, e há anos repete tudo de novo sem tentar fazer nada sobre isso.

Por que não ler Stephen King? Porque, no fim das contas, cada obra dele é um amontoado de ideias triviais enfeitadas ao extremo, nas quais cada boa ideia é desperdiçada em predileção à lugares comuns, e que, a cada lançamento fica mais claro que ele não tem a mínima noção de como aproveitá-las ou como sair de seu próprio “estilo”, nos brindando então com obras que mais frustram que agradam, e que se agradam é porque não são mal executadas ao ponto de ofenderem.

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