Jornada nas Estrelas – 45 anos

Televisão terça-feira, 13 de setembro de 2011

Não é nenhuma novidade que eu gosto muito de Jornada nas Estrelas. Adotei o sobrenome do capitão da Enterprise para me representar na internet e nos meus textos; uma das primeiras coisas que fiz com meu primeiro salário – junto com comprar uma fita de Nintendo 64 – foi comprar artigos da série; hoje tenho os boxes dos DVDs, etc. E não, não sou um exemplo do trekker com dificuldades no trato com as pessoas – tenho minha querida mulher e uma boa vida social. Meu gosto por Star Trek vem de razões que a maioria dos “fãs” desconhece ou ignora. Aliás, a série completou 45 anos e eu vou dizer por que ela merece o respeito que dou pra ela.

Gênese

No dia oito de setembro de 1966, foi ao ar o primeiro episódio de Jornada nas Estrelas, The Man Trap (No Brasil, O Sal da Terra). Provavelmente ninguém do elenco sabia que era um marco na ficção científica, nem mesmo o criador, Gene Roddenberry. Em 66, era só mais uma série de ficção científica. Durante os três anos que durou, não existiram convenções, nem todo o fanatismo que há hoje da parte alguns (Afinal, fanáticos há para praticamente tudo); havia, sim, uma comoção – Leonard Nimoy, o eterno Sr. Spock, começou a receber muitas cartas de fãs. A série era especialmente popular entre entusiastas de ficção científica e estudantes de engenharia. Aliás, estes fãs que surgiram durante as duas primeiras temporadas foram responsáveis diretos por adiar o cancelamento da série, quando uma grande campanha foi feita através de cartas, pedindo à NBC que a mantivesse no ar. A série foi renovada, mas estava aleijada: Saiu do horário nobre, foi para um horário morto da sexta-feira, e sofreu um corte no orçamento [1]. Apesar de uma nova campanha ter sido feita pelos fãs, a série foi cancelada na terceira temporada. O último episódio foi ao ar no dia três de Junho de 1969.

E isso era, em linhas gerais, Jornada nas Estrelas até aquele ponto. Depois ela ressurgiria nos anos 70, sendo reprisada e criando toda uma cultura em seu entorno; até hoje, houve uma série animada, onze filmes (Seis só do elenco original), mais cinco séries – somando trinta temporadas – e toda a fama que vocês já conhecem.

Eu, eu mesmo e Jornada

Só que eu não sabia nada disso quando assisti a série pela primeira vez, com uns 13 ou 14 anos. Eu mal sabia usar um computador, a Internet 2.0 estava um pouco longe de acontecer e, mesmo que eu tivesse o insight de ter perguntado para os coleguinhas pré-adolescentes, provavelmente nenhum deles sabia sobre a série. Era eu e os episódios, sem interferências. Eu não sabia da cultura imensa em torno daquilo, mal sabia nomes de atores e a origem da série e não sabia que existiam outras quatro séries carregando aquele nome (E ainda seriam cinco).

 Star Trek pra mim era o Capitão James Tiberius Kirk, sua nave e sua tripulação; era o “elenco original”, era os efeitos visuais há muito ultrapassados, o dublador do He-Man, a música de abertura, enfim. É por isso que tenho pouco interesse em quase todo o resto da franquia. Em alguns casos até desprezo: Um capitão careca e medroso, quase afeminado algumas vezes (Que não por acaso é a estrela principal do famigerado filme onde Kirk morre), e suas serelepes aventuras pelo espaço. Foi demais pra mim.

Em outras palavras: Jornada nas Estrelas é estrelada por William Shatner, Leonard Nimoy, DeForest Kelley, James Doohan, Nichelle Nichols, George Takei e Walter König. E ponto.

Respeito

Para se falar no respeito a essa série de televisão, é essencial ter em mente o seguinte: Antes de ser ficção científica, antes de ser transportadores, naves, dobra espacial, etc, etc, Jornada é uma metáfora. Uma metáfora em capítulos e com três temporadas.

Nas palavras de George Takei,

Eu penso que a Nave Estelar Enterprise era uma metáfora para a nave Terra.[2]

Certo, não é uma frase tão emblemática. “Nave Terra” parece algo vindo da boca de um hippie; mas essa frase e coisas ditas por outros integrantes do elenco [3], deixam claro que o ponto central para Gene Roddenberry em Jornada nas Estrelas não eram a ficção nem a ciência. Em 1966, toda a conversa tecnológica e futurista era uma disfarce para se falar do presente. Ou antes: Para tratar de problemas e temas da época, sem causar alarde. A série não falava sobre o espaço, falava sobre a humanidade.

Para captar os momentos exatos onde um determinado assunto está sendo tratado, só assistindo a série. Mas de algumas vezes eu lembro claramente. Me soa meio clichê, já que é sempre mencionado, mas o beijo entre Kirk e Uhura é uma dessas vezes. Era o primeiro beijo interracial nume série de televisão americana e aconteceu no dia 22 de Novembro de 1968. O enredo do episódio era ficção científica pura – aliens com poderes psiquícos que organizaram sua sociedade nos moldes da Grécia antiga da Terra e resolvem usar os humanos recém-chegados como brinquedos. Não foi a primeira vez que a tripulação da Enterprise encontrou alienígenas malucos que diziam ter conhecido a Terra milênios atrás, mas isso não importa; o fato é que, sabendo que poderiam chocar, a cena do beijo acabou ficando no espisódio por conta da determinação dos dois atores e de Roddenberry. Felizmente, a maioria esmagadora das centenas de cartas recebidas foram de fãs com impressões muito positivas [4].

Situações que soam absurdas têm explicações até convincentes sob a guarda da ficção científica e ao mesmo tempo podem quase tocar na realidade. No episódio “Padrões de Força“, a tripulação da Enterprise encontra um planeta nazista. Eles investigavam o desaparecimento de um historiador terrestre chamado John Gill, que foi enviado ao planeta como observador (Se não me falha a memória), mas acaba se tornando o führer do planeta. Gill tentou extirpar os lados negros do nazismo e usar somente a parte que transformou a Alemanha do final dos anos 30 em um estado relativamente eficiente. Mas o plano falhou miseravelmente, com a versão alienígena ficando tão terrível quanto a terrestre. A moral do “não cometer os erros do passado” aparece claramente aqui.

45 anos

Nenhuma outra série da franquia conseguiu ter o mesmo espírito da original. Aquilo que era o coração e alma de Star Trek – o mundo real – foi deixado de lado. As metáforas se foram, em nome da ação, de complicadas linhas temporais e, em 2009, com um novo filme que altera o início de tudo. Pode ser que seja só uma progressão natural, eu não sei, mas aquele pé na realidade e o lado humano da série só está naquelas três primeiras temporadas.

A simplicidade, as histórias e as metáforas – é do que eu lembrei no último dia oito. Quarenta e cinco anos depois, eu fico feliz de pensar que capturei o clima de 1966; me sinto bem sabendo que, por mais estranho que algumas pessoas possam achar, parte da minha pessoa e do meu modo de ser me foi ensinado em noites assistindo a Nave Estelar Enterprise em sua missão de cinco anos, para explorar novos mundos, pesquisar novas formas de vida e novas civilizações – audaciosamente indo, onde nenhum homem jamais esteve.

1 – Herbert Solow and Robert H. Justman, Inside Star Trek: The Real Story, Pocket Books, 1996, pp.377–394.
2 e 3 – William Shatner’s Star Trek Memories, 67 min, 1995, ZM Productions e Paramount Pictures; também nos comentários ao longo da versão remasterizada dos episódios da série, nos boxes da primeira e da segunda temporada (2009 – CBS e Paramount).
4 – Nichelle Nichols, Beyond Uhura: Star Trek and Other Memories, G.P. Putnam & Sons New York, 1994. p. 193.

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