Devoção

Cinema quarta-feira, 08 de agosto de 2012

Quando Carlos passou a namorar Ana, também passou a entregar a ela o que havia de melhor em si mesmo; em pouco tempo, de tanto que fazia, pelo tempo e pelos pensamentos que direcionava à sua amada, praticamente orbitava em torno dela. Por isso, não é exagero poético dizer que ela era seu Sol. Grande erro. E não se pode pôr toda a culpa sobre os ombros de Carlos por desconhecer certos atributos da alma humana e, em particular, da alma feminina. Não que ele não tenha culpa, ele tem. Só que pessoas não vêm com manuais de instruções – o que seria especialmente útil com as mulheres. Agora, devemos perguntar: Qual afinal é essa culpa que Carlos inadivertidamente e em parte carrega? Em que grande erro poderia incorrer uma criatura que faz de seu amor “sua vida, a comida, a bedida”, como diz um velho samba?

Existem muitas particularidades nossas que nós mesmos normalmente desconhecemos. Uma delas é que não gostamos de devoção. Quando somos alvo de algum tipo de adoração, nos cansamos. É algo especialmente curioso, isso de que nem sempre aquilo que pensamos nos agradar acaba agradando. Carlos crê que agindo sempre em prol de sua amada, estará fazendo um grande bem. Mas a verdade é que este Romeu está se arriscando a ver uma Julieta cansada, sentindo o peso de ser um ícone, um centro, responsável pela reações de uma outra pessoa.

O caso é que o admirador extremo causa tédio. Para além dos casos amorosos, temos outras faces da “síndrome da dedicação”. Me lembro do filme Meu Nome é Ninguém, um faroeste de 1973 do Sergio Leone, onde o personagem de Henry Fonda, depois de ouvir que é muito admirado, mostra que não gosta disso. Quando alguém é admirado demais, diz ele, a pessoa começa a se mostrar, se arriscar. Ou algo assim. Mas a idéia é essa mesma. Nós não só nos cansamos de quem se devota, como viramos um perigo para nós mesmos. Ficamos facilmente convencidos. É por conta dessa pequena passagem de Henry Fonda que passei a dobrar a língua antes de falar que sou fã de alguém. Claro, tenho um panteão de pessoas que admiro, que reconheço serem dignas disso por este ou aquele motivo, mas nunca fui e nem pretendo ser um daqueles que espalham pelo quarto os posteres e objetos do alvo dessa admiração, ou que gastam quantidades ridículas de dinheiro e tempo em favor de um músico, ator, diretor ou quem quer que seja.

Vejam, o que estou dizendo é que se eu estivesse em uma poltrona de avião e visse Christopher Nolan sentar do meu lado, eu iria me obrigar a calmamente esperar por uma chance de fechar o livro que eu provavelmente estaria lendo e cumprimentá-lo animadamente por ter feito a melhor trilogia de um super herói que eu já assisti até hoje. Talvez pedir um autógrafo no guardanapo ou coisa assim, e depois me recolher à minha poltrona e ao meu livro, pensando pra quantas pessoas eu contaria isso. Mas enfim.

Estamos falando de exageros aqui. De maneira disfarçada ou aberta, devoção é um tipo de exagero. Pode parecer duro de entender para alguns, mas ninguém merece devoção, ou antes, ninguém precisa. Ninguém. É para o nosso próprio bem, acreditem. No caso específico dos seres humanos importantes por suas obras culturais, devemos mostrar respeito, homenageá-los, talvez até erigir estátuas em praças ou coisas assim. Claro que maneiras de agir são muito pessoais e tudo isso aqui dito é como eu faria. Mas não digam que não foram avisados por um quase desconhecido na internet.

Quanto ao nosso casal, Carlos e Ana, ela misteriosamente passou a não querer estar com ele e terminou tudo dizendo “não é você, sou eu”. Encontrou um sujeito de muita lábia que lhe prometeu o mundo e mais a pouco (A Lua? As estrelas? Nunca saberemos), mas que nem ligou no dia seguinte. A essa altura, Carlos, desolado, entrou no primeiro vôo para algum lugar no exterior e pulou como uma menininha histérica ao encontrar o baterista de sua banda preferida no aeroporto. Foram precisos dois seguranças e um funcionário da alfândega para fazê-lo parar de tremer e sair de perto.

E assim caminha a humanidade.

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