Decidindo as Mentiras futuras

Livros terça-feira, 17 de setembro de 2019

Cara, eu já tive livro pra caralho.

Quer dizer, eu nunca tive uma biblioteca particular nem nada disso: Tem gente que teve muito mais volumes do que eu, mas eu já tive bastante. Prateleiras e mais prateleiras ocupadas – abarrotadas – e ainda assim com mais livro que espaço pra colocá-los. Houve época em que toda semana eu comprava livro novo, todo mês chegava um novo material aqui em casa. Nos últimos anos, isso mudou bastante… O que continua, ou é importante ou está na beira do abismo.

 Não, pera aí…

Desde que eu entrei no Bacon minha relação com livros mudou drasticamente. Já colecionei, já guardei, já bibliotequei, já desfizquei, já doei, já vendi… Eu não estou afim de linkar nada disso porque seria bem repetitivo, mas se você for lá na categoria de Livros daqui do Bacon vai encontrar todos os capítulos dessa novela ridícula (E, eventualmente, material de qualidade dos muitos outros autores do Beico). Pra resumir essa história, o que é importante dizer é que pra mim, atualmente, o que eu tenho é porque ou não foi lido, ou já sobreviveu à várias ondas de desapego, e esse é justamente o ponto aqui.

Quando começamos a aprender a ler, seja informalmente por conta de família e amigos, seja formalmente na escola, a gente logo se depara com “obras”. Com isso eu quero dizer que não é uma manchete de qualquer coisa, uma placa de trânsito ou um letreiro de padaria, mas sim um trabalho literário que tem uma função básica de fazer mais do que simplesmente passar uma informação: Mesmo o mais simples dos livros (E contos, cadernos, tirinhas, gibis, novelas, etc.) vai transmitir uma “mensagem”. Essa mensagem pode ser que a Locomotiva Feliz fez PIUÍÍÍÍ morro acima e depois desceu a serra veloz, mas pode muito bem ser as reminiscências pré-eclesiásticas de Tomás de Aquino. E, desde a infância, a gente se acostuma a trilhar um caminho, pulando de obra em obra.

Claro que tem muita gente que lê muito pouco (E gente que não lê ao todo), mas quem realmente lê percorre, ainda que sem perceber, um caminho individual, personalizado e particular: Cada um faz seu próprio caminho, e os ladrilhos no chão são as obras que lemos. Obviamente entra nesta história livros que nos são indicados, livros que temos de ler por conta de estudos, livros populares, mas não é uma questão apenas de títulos, mas sim de ordem, interesse, entendimento, aplicação prática… Em outras palavras, parte da nossa vida é moldada pelas relações que nós temos com o material que nós lemos.

E parte dessa caminhada inclui também o esquecimento, a separação, a mudança… Quantas pessoas realmente guardam tudo que lêem? Não digo nem bulas e receitas de pavê, mas tipo… Quanta gente tem todos os livros e coletâneas e artigos e revistas que já leu na vida toda? Boa parte do que nós lemos sequer é nosso: Entre salas de espera, bancas de jornais, livrarias, bibliotecas e coisas emprestadas, o número já é reduzido. E ainda entra a questão da internet, do mundo digital e da tecnologia: Quanta coisa não lemos em sites, blogs e redes sociais? Ebooks são a menor das preocupações no que tange esta “documentação”.

“Deixar pra trás” coisas que nós lemos é totalmente normal: Fazemos por uma questão de praticidade, de costume, de importância… A grande diferença é quando fazemos com a intenção expressa de reduzir o que a gente tem. Não tem relação nenhuma com o número de coisas que já temos ou o espaço em prateleiras ou dinheiro ou tempo, ainda que estes todos sejam fatores importantes no que se refere simplesmente à ter obras, mas tem sim relação com o que a gente quer manter.

Porque bem… Às vezes Clarice Lispector é tão desimportante quanto o panfleto da loja de som pra carro que te deram no semáforo.

Novamente, eu sei que tem gente que vai guardar (Quase) tudo que já leu… Porra, eu era assim também. Mas pra grande maioria das pessoas, não é assim que a parada funciona. Seja porque tá faltando espaço, porque já leu várias vezes, porque o objeto tá tão usado que está se desfazendo, porque tem gente que gostaria mais da obra, porque você já tem várias cópias e edições ou simplesmente porque você não quer mais o tal livro, cê vai se desfazer de obras. Porque, no fim das contas, tem coisa mais importante que você pode botar no lugar que este outro tava ocupando.

É assim que a nossa estrada de tijolos amarelos se desfaz. Ou melhor, é assim que nós nos desfazemos dela, em favor de uma passagem mais perigosa, mais simples, mais interessante.

A gente cria (Parte da) nossa vida com centenas, milhares de obras, uma logo após a outra, em rápida suscessão, mas quando chegamos no final, apesar de cada uma delas, cada tijolo ter sido parte do caminho, as que realmente fazem a diferença para nós são apenas algumas. Aí, quando olhamos pra trás, ou quando quisermos retrilhar o caminho, está mais fácil, rápido e perto. A gente pode se dar ao luxo de escolher onde pisar, e isso signfica que onde não vamos mais pisar, não tem mais porquê estar lá.

Pode ser algo triste de dizer assim… Também é verdade que isso passa uma ilusão de que o caminho inicial foi feito em pulos, de obra em obra selecionada com a máxima curadoria. Talvez agridoce seja a sensação, enquanto que essa ilusão seja pífia (Mas vai dizer isso pras pessoas de noite, quando elas tão deitadas na cama sem conseguir dormir), porém, ao mesmo tempo, nos permite ter ideias melhores sobre nós mesmos, nossos costumes, nossas vidas. É verdade que a pessoa que você é hoje precisou tanto da filosofia hermética egípcia quanto da análise de modelos matemáticos aplicados à polímeros carregados pra chegar até aqui, mas agora que cê tá aqui…

Não sei se é pra melhor ou pra pior. Descondiderando qualquer logística aplicada à ter o tanto de coisa que alguém possa ler, aquelas fatídicas perguntas ainda são extremamente importantes: Você vai ler de novo? Você usou alguma coisa que aprendeu com isso? Não tem coisa melhor que valha o seu tempo? Não será de maior proveito passar essa obra adiante ao invés de mantê-la? Um dos desafios da vida é perceber que a coisa só parece fácil quando olhada em retrospectiva. Até porque seria muito estranho ser diferente.

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