Crônicas da vida carioca: transporte

Contos sexta-feira, 07 de março de 2014

Pra informação geral da nação, vou me apresentar. Meu nome é Aline, tenho dezenove anos e sou carioca. É, que merda, eu sei. Também faço faculdade por aqui, num lugar que é tão bonito e tão acessível que é chamado, carinhosamente, de Ilha do Fundão. Posso descrever a UFRJ como uma versão em negativo de Nárnia: quente, fedida e cheia de gente feia.

Pra quem não sabe, viver no Rio é uma merda. Das mal cagadas. Daquelas que só se faz depois de um domingo de feijoada na casa da tia.

O Rio é tão cagado, que só pode ser de propósito.

O que ninguém sabe é que, na verdade, o fato da cidade ser uma merda mal cagada é uma jogada de mestre. Temendo que o Brasil siga o exemplo do nosso vizinho de cima e vire o país dos gordos, o Rio de Janeiro foi projetado para atletas. Aqui, você precisa estar correndo, sempre, a toda hora, a todo momento, de dentro pra fora, de fora pra dentro.

Os esportes urbanos mais populares incluem: Cem Metros com Obstáculos (Pulando balas perdidas), Perseguição Profissional de Ônibus e Ginástica Artística Pra Se Manter em Pé Quando o Louco Do Motorista Faz a Curva (Ganha mais pontos quem xingar mais o motô), Nado Sincronizado em Suor em Bicas e, a competição mais popular, Fedeção Olímpica no Trem das Sete da Manhã.

Vamos conversar sobre os ônibus. Mais especificamente, sobre o 485. Acho que existe uma cópia do 485 em cada bairro do Rio de Janeiro por que ele é, aparentemente, a única linha do mundo que vai até a UFRJ. E ao centro. E à Zona Sul. E à praia. Existem mil versões do 485: General Osório, Penha, Caxias (!!!!), Pocket, Luxo e Box Completo das Três Primeiras Temporadas. Caralhas, um dia vou descobrir que tem um 485 fazendo Rio-Taboãozinho da Serra por 3,00!

Como único ônibus a rodar a cidade inteira, o 485 nunca tá menos que lotado. Tem que tomar cuidado quando subir nele por que, se deixar, nego vai dentro do teu cu e você nem percebe. Manja aqueles fusquinhas de palhaço? Para um 485 no ponto e o país inteiro desce. Eu por exemplo, tive que pegar ele fim do ano, pra voltar pra casa, e tô até agora atrás da roleta esperando todo mundo sair pra poder descer.

Naturalmente, é um ônibus que nunca tá menos que mais fedido que o suvaco da tua mãe. Das sete da manhã às sete da noite, o cheiro de desgosto e depressão é tanto, que daqui a pouco vão precisar instalar máscaras de gás, dessas que a gente encontra em avião, pro motorista não se atirar pela janela e deixar o ônibus capotar.

Toda mulher que já subiu no 485 tomou cantada do cobrador. Algumas tomaram sem nem subir no ônibus, inclusive. Alguns dos que tomaram eram homens, inclusive. Quanto perguntado sobre, o cobrador, referindo-se a esse último incidente, simplesmente respondeu que “ora, é o que tem pra hoje. Aliás, que rabão cê tem, hein”. O entrevistador era o Pizurk. Ossos do ofício do jornalismo investigativo.

Mas o que mais me impressiona no 485 é o espírito de solidariedade. Como é lotado por universitários, na maioria das vezes vai haver uma mão amiga que, estendida em sua direção, vai soltar a frase mágica: “Posso segurar a bolsa?”. No entanto, se ninguém se oferecer pra tal e, dependendo do seu cansaço e estado de espírito, você pode rapidamente ativar a solidariedade alheia arremessando suavamente a mochila na cara daquele filho da puta que finge que tá dormindo. Se, ainda assim, não adiantar, você também pode, com muito carinho, virar e perguntar:

FILHO DE UMA PUTA MAL PARIDO, DÁ PRA SEGURAR ESSA PORRA? VOU ENFIAR NO SEU CU, SEU BORRA BOTA DO CARALHO

Com tanta finesse, duvido muito que alguém se negue a segurar todo o seu material de faculdade.

Se eu nunca falei por aqui, aliás, eu moro numa pequena província (hahahahahahahahahaha) carioca chamada Onde Judas Queimou a Rosca, o bairro mais quente AND charmoso do Rio de Janeiro: Bangu. Não, não moro no presídio. Mas tenho contatos lá dentro. Faz piada comigo que cê morre empalado por uma metralhadora.

Mexe cus donu da boca não, tá ligado?

Ehrn… Voltando. Isso significa que até pra ir à esquina de casa, preciso pegar 3 ônibus, 2 jangadas, uma carroça e 4 cipós. E um táxi também, se tiver atrasada. Então, meus amigos, sei o que falo quando digo que, puta merda, depois nego não entende por que protesto no Rio de Janeiro é quase guerra civil.

Tá foda, amigos. Tá foda.

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