Sobre verdades, mentiras e meio termo

Cinema sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Recentemente várias polêmicas sobre o coletivo Fora do Eixo começaram a pintar na rede após a cineasta Beatriz Seigner divulgar um texto atacando o grupo. A partir dai, a internet se polarizou entre as vozes contra e a favor do coletivo e, do mesmo modo, da diretora. Qual a verdade sobre este tema? Será o Fora do Eixo o bicho papão que parece ter se revelado, ou a acusação cria mentiras, como aponta o lado acusado?

Para quem não sabe, o Fora do Eixo é uma espécie de grande movimento social de cultura, que age em rede, através de coletivos menores para a produção de eventos culturais, as vezes em locais que normalmente não teriam acesso a bens culturais, ou seja, é um movimento para a democratização do acesso a estes bens. Além disso, sua ideologia é contrária à lógica econômica hegemônica, ou seja, as relações normais do capitalismo, entre compra, venda, demanda, oferta e monetização.

Porém, segundo Seigner, o coletivo agiu de má fé com ela, quando firmou certos acordos e não cumpriu, recebendo, inclusive, dinheiro em seu nome. A cineasta vai mais fundo e afirma que esta prática é corriqueira e que a alta cúpula do Fora do Eixo considera tais práticas normais e desejáveis, pois não acreditam que os artistas deveriam receber por sua arte. Continuando sua crítica, a diretora acusa o grupo de escravidão, pois mantém jovens que criam para o coletivo e não recebem nada por isso, vivendo de forma sub-humana dentro de casas mantidas pelo movimento. Ela ainda afirma que o Fora do Eixo é uma grande máquina de coleta de recursos públicos.

A defesa do movimento acusa Seigner de mentir em seu texto, afirmando ainda que ela mesma se beneficiou enormemente da relação que tinha com o coletivo, sendo assim, que se o há escravidão no FdE, ela também escravizava.

A parte que me interessa entra a discussão entre os dois lados está na relação econômica levantada e que são antagônicas e que compreendem cada um um lado da mesma moeda. A moeda é a do reconhecimento. O FdE, para encurtar, afirma que o reconhecimento dos membros das casas e dos artistas passa pela experiência que têm em criar e se apresentar, enquanto que para a cineasta o reconhecimento passa também pela valorização econômica da função exercida.

É ai, meu amigo, que a questão fica profunda. Para alguém habituado ao sistema capitalista, a relação entre o FdE e os membros que dão sustento ao grupo é uma relação realmente promíscua, pois o ganho pessoal fica diluído e não pode ser representado por números capitalizáveis. Aos membros do coletivo, que abraçam a visão de “economia solidária”, a diretora é uma filha da burguesia reclamando que seu status quo está sendo ameaçado e que possui, uma também promíscua, relação com a monetização da atividade cultural. Ora, estão todos loucos!

A grande verdade é que ambos os lados estão certos e ambos os lados estão errados, e ambos os lados estão errados. Por que dois errados? Calma que eu explico.

Dentro da lógica capitalista na qual estamos inseridos, o FdE estabelece realmente relações estranhas com seus colaboradores e a crítica da Beatriz Seigner procede. Por outro lado, ao pensarmos que é exatamente isso que o coletivo se propõe, reverter a mercantilização da circulação dos bens culturais, eles estão certos em fazer o que fazem. Então um certo e um errado para cada um, no que toca a mesma questão. O segundo errado fica por conta da postura real de ambos, pois até aqui isso tudo não passa de ideologia. Beatriz se aproximou do grupo vislumbrando que seu trabalho atingisse populações que nunca teriam atingido se não fosse o trabalho do Fora do Eixo, sendo assim, a favor da democratização do acesso às formas de arte. Porém, ao fazer isso, sem arredar o pé em sua compensação financeira, a artista acaba por estabelecer um paradoxo: É exatamente esse pensamento de indústria, do ganho monetário, que afasta os pequenos do acesso aos bens. Por outro lado, a tal “economia solidária” do FdE é tão inútil quanto teta de homem. A máquina FdE não funciona sem dinheiro de verdade, eles precisam de bufas e bufas de dinheiro para se manterem, para viajarem e para professarem suas ideias. A tal moeda própria deles só serve para obscurecer uma relação econômica capitalista como outra qualquer, onde existe um prestador de serviço e um comprador daquele serviço. A verdade é que o FdE se tornou um fim em si mesmo. Isso significa que pelo que me parece, hoje o grupo Fora do Eixo está mais preocupado em existir do que realmente fazer com que os bens culturais cheguem a todos; isso é mera consequência das ações que tomam para existir.

No mundo dos embates políticos ideológicos normalmente não existe ninguém falando verdade e nem mentira, nem o bem nem o mal. Cada um é verdadeiro para si e bom para o que acredita e a verdade que fica, é que no final das contas, todos são igualmente mentirosos e ruins, porém pelos acasos da vida, podem acabar trazendo benefícios para alguém que não eles próprios.

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