Deixa eles lerem – Um manifesto sobre chatice

Livros terça-feira, 07 de janeiro de 2014

Se tem uma coisa em que todo mundo concorda é que brasileiro não lê. Apesar de um texto que ficou bem famoso um tempo atrás desmentir a constatação que a gente escuta desde que nasceu, a leitura ainda não é lá bem trabalhada no país. Especialmente na escola. De exemplo, acho que dar Clarice Lispector pra gente do ensino fundamental é um erro por que, do mesmo jeito que alguns não vão curtir Harry Potter por estarem em outra fase da vida, encher o rabo das crianças de clássicos que elas não têm maturidade pra ler é de uma pau-no-cuzisse sem tamanho.

E eu tenho uma teoria sobre isso. Aliás, sobre leitura no país todo.

Primeiro, vamos estabelecer umas coisas. Sabe, a gente vive num país elitista pra caralho. Cultura, de qualquer tipo, é cara. Cinema custa, na maioria das cidades, vinte contos a inteira. Teatro, então, é um lugar onde se vai de terno e gravata. É difícil achar um livro recém lançado, mesmo best-seller, por menos de quarenta reais nas livrarias de esquina. Ser culto significa ter poder aquisitivo. Significa estudar em escola particular. O resto da população, abandonada nas escolas públicas, serve só pra núcleo cômico de novela, fala errado e é criada se achando o espécime mais burro do mundo. Ler, gostar de ler, separa os meninos dos homens. Junto de não ver novela e Big Brother Brasil, divide o joio do trigo: Os cidadãos de bem e a laia inculta.

Tratar a cultura como algo inalcançável, uma riqueza destinada só àqueles com olhinhos de ver afasta as pessoas dela. Esse culto extremo, quase fetichista, pelo objeto livro afasta as pessoas da leitura. Deixa as crianças com medo de se aproximar dela. Não consegue gostar de Machado de Assis aos doze anos de idade? Não sabe o que é bom, nunca vai aprender a ler. Eu tive várias professoras de literatura que criticavam quadrinhos, como se fosse melhor ser analfabeto do que ler aquilo. Eu aprendi a ler com quadrinhos e só fui pegar num livro burra velha.

A situação tinha chegado a um ponto em que nem os filhos das classes mais altas conseguiam se identificar com aquele objeto estranho, cheio de páginas e com uma capinha bonita. Não preciso ir longe pra apanhar exemplos desse afastamento crônico. Se você se identifica com o Bacon de alguma forma, tenho certeza de que foi uma criança cercada por livros ou quaisquer aparato “nerd”. É, nerd. Grandes chances de já ter sido sacaneado quando criança ou adolescente por estar com um livro na mão.

Olhar por cima do ombro e se declarar culto é um atestado de ser o máximo. Ser detentor único daquele conhecimento e encarar os jovens como se eles fossem completamente incapazes de saboreá-lo deve dar uma puta inflada na auto-estima.

Diacho, minha mãe dá aula numa escola municipal aqui do Rio. A prefeitura mandou centenas de exemplares de livros clássicos da literatura infantil – Só título foda, de Nárnia pra cima – pra doar pros alunos. Que que a diretora fez? Distribuiu alguns pros professores – que também tinham direito a catar, que fique claro – e trancou o resto numa salinha. Por que, nas palavras dela, os alunos não iam saber aproveitar.

Enfim, eu quero chegar numa ideia só. Hoje em dia, apesar de todo o empecilho financeiro, é mais fácil ler. Pelo menos no meu último ano de ensino médio, sempre tinha alguma panelinha sentada em roda discutindo o último livro de Jogos Vorazes. Ou Divergente. Santa Coxinha, até Crepúsculo, um livro que já malhei no mínimo umas trinta vezes nesse site! Eu espero sinceramente que você, se for uma dessas pessoas que reclamam da “popularização” dos livros, tenha todos os dedinhos do pé arrancados a beliscões.

Aconteceu alguma coisa que fez todo mundo achar que ler é muito legal, e devia ter havido muita alegria no dia do ocorrido. Mas tudo o que eu vejo é gente preconceituosa, vendo seu belo e único diploma de inteligência escorrer por água abaixo. A moda não é mais falar que fulano é burro por que não ler. É falar que fulano é burro, retardado, por que ainda não leu os grandes clássicos dos clássicos. Como o exemplo que dei ali em cima da escola, toda iniciativa, por melhor que seja, é retaliada por gente que tem medo de perder a exclusividade sobre uma coisa que define quem manda e quem obedece.

Lembra um tempo atrás do episódio dos aeroportos, que estavam sendo muito mal frequentados? Acho que devia todo mundo – Principalmente aquela galera hipster fã do Starbucks – calar a boca e deixar as porras das crianças lerem os caralhos dos livros que elas quiserem.

Ps.: Até hoje eu não engulo Clarice Lispector. Desde que obrigaram minha turma de sexta série a ler A Hora da Estrela eu, que sempre tive e sempre terei a profundidade emocional de uma privada pós-almoço de domingo, tenho vontade de dar três tapas na cara dela e mandar a coitada parar de ser fresca. Pelo menos já superei meu trauma com Machado

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