Cheats – a polêmica

Games sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Cheat, substantivo, do inglês: Trapaça, enganação, fraude; como verbo: Trapacear, trair, enganar. Usado muitas vezes com a preposição on, quando é cometido contra alguém ou algo. She cheated on her fiancé: Ela traiu seu noivo. They cheated on the test: Eles trapacearam na prova. He used a cheat code on the new GTA: Ele usou uma trapaça no novo GTA.

Mas espera, ninguém fala como na tradução do último exemplo, a não ser em Portugal. No Brasil, nós geralmente diríamos que o cidadão fez um cheat mesmo, afinal, foi através dos jogos que essa palavra normal da língua inglesa virou parte do nosso vocabulário. E sim, os cheats nos jogos são nosso assunto de hoje. Vem comigo.

Mais definições

O cheat é um tabu. Tá, talvez não um tabu completo. Aliás, nem é assim tão importante. É mais… Um assunto polêmico entre os jogadores de video games. Mas mais do que isso, é algo a se considerar por vários ângulos. Então vamos parte por parte.

Primeiro, vamos fazer uma experiência científica mental. Imagine que você foi até um fórum sobre video games na internet (FÓRUM! HAHAHA), desses que são praticamente vespeiros de gente enfurecida pela fato de falarem o tempo todo sobre o mesmo assunto, eu suponho, e criou um tópico (RISOS) sobre cheats em jogos, perguntando quantos ali já usaram. Com base no conhecimento que temos sobre como a internet funciona, o tal tópico imaginário provavelmente resultaria no seguinte:

a) uma profusão de respostas passivo-agressivas de gente afirmando que o cheat é o responsável por todo os males do mundo;
b) uma infinidade de respostas não tão agressivas, e talvez ligeiramente intelectuais e com um tom de superioridade, afirmando que o cheat é coisa de gente fraca que não sabe jogar;
c) um pequeno número de pessoas dizendo algo mais ou menos parecido com “e daí, pq não? fdc essa merda”;
d) outros pequenos dissidentes que não concordam nem discordam, muito pelo contrário, e são ignorados pela turba já enfurecida;
e) uma guerra civil entre as facções rivais que resulta em mais 327 páginas de comentários mal escritos e divagações até que finalmente a coisa toda vai parando aos poucos, sem nenhuma resolução no assunto e a pergunta inicial completamente esquecida.

Da experiência, podemos extrair a conclusão de que, teoricamente, o cheat, a trapaça no jogo de video game, é algo terrivelmente mal aceito. Aquele que usa cheats é o equivalente em tempos de paz do soldado que gritava igual uma franguinha na trincheira, apenas com a possibilidade de fazer a vida dele mais fácil digitando “god” no teclado (Entendedores entenderão). O cheater – vamos chamar ele assim – é um arremedo de ser humano. Sem honra, sem força de vontade, patético. É o sujeito que cola na prova. É o sujeito que faz mutretas pra conseguir dinheiro fácil. É o malandro, preguiçoso, boçal, com tendências para o estelionato talvez.

Ou não.

Polêmica

Sim, agora você sentiu que eu ia defender os cheats e aqueles que os fazem. Se eu estivesse lendo esse texto até aqui e não escrevendo, eu também acharia isso. É uma tática que você, possível leitor de textos em sites, já viu por aí. Mas, como diria uma ninfomaníaca anã, o buraco é mais embaixo. Diante dos fatos já expostos, a minha reação é tentar ser sincero comigo mesmo e com os leitores, e pra fazer isso eu não posso simplesmente tomar um partido como aquelas pessoas da nossa experiência fictícia, ou como os jogadores de video games que eu já encontrei na vida real. Se eu tomar um partido, vou acabar traindo alguma faceta minha, por que surpreendentemente, caro leitor, pessoas têm facetas, fato que a maioria delas vai se esforçar pra esconder. Mas pra me explicar melhor e para transmitir a idéia desse texto, preciso contar uma história. Por favor, prossiga lendo, prometo tentar contar da maneira menos entediante que eu conseguir:

Tudo começou quando cansei temporariamente de gráficos poderosos e jogos modernos e baixei Pokémon Fire Red para jogar no emulador, pra relembrar os velhos tempos de infância quando minha maior responsabilidade era fazer o dever de casa. Estando de férias do trabalho, tenho um pouco mais de tempo para me dar ao luxo de gastá-lo em outras coisas que não TCCs, textos, bicos de férias, pagar contas abusivas e decidir o que diabos fazer da vida. É um esforço para minha sanidade mental, digamos. Aquilo que me preocupa quando faço as obrigações, vai embora nos momentos de lazer, e jogos formam alguns desses momentos.

 Diversão.

Então, nos meus breves momentos reservados para o entretenimento e despreocupação, me peguei com um problema: Eu não tenho mais a paciência que tinha antes. A pior parte é evoluir e treinar cada um daqueles bichos, que me força a lutar com uma sequência infindável de treinadores imbecis e me embrenhando em arbustos, perdendo horas e ficando puto. Mesmo antigamente, a minha tática com Pokémon sempre foi simples: Ser mais forte que os outros e equipar meus bichos com ataques que fossem diretos, one hit K.O., bateu-valeu. Sempre odiei ataques pra baixar a defesa, baixar o ataque, jogar areia, blá blá blá, pra depois de mil rodadas derrubar o inimigo. Pra mim, o negócio é botar o filho da puta do Pikachu no nível 60 enquanto os outros tão no nível 45 e correr pro abraço com o Thunderbolt. Isso que me dá vontade de jogar, e o desafio é vencer os outros. Hoje em dia, isso só piorou por que eu simplesmente não tenho tempo pra ficar um dia inteiro jogando pra cuidadosamente evoluir cada bicho daqueles. Mesmo assim, eu ainda quero jogar. A solução?

É, vocês já adivinharam.

Fui no Google, fiz uma pesquisa, e em poucos minutos já tinha o código maroto pra comprar Rare Candy nos Pokemarts. Traduzindo, pra quem nunca jogou: Eu usei um cheat que me permitia fazer uma coisa normalmente impossível no jogo, que é comprar um item que faz Pokémons evoluírem. Seguindo o curso normal das coisas, era pra eu encontrar menos de cinco no jogo todo. Agora eu podia ter quantos o meu dinheiro fictício pudesse comprar. Sacrilégio. Agora eu era um impuro. A escória. Eu trilhei o caminho mais fácil. Sinto os olhares julgadores de vocês. E agora?

Debatendo

Agora… Nada. Talvez os olhares de agentes da inquisição de alguns de vocês sejam aplacados se pensarem comigo: Tem códigos pra tudo. Eu podia ter feito códigos que me permitissem ganhar sem nenhum esforço. NENHUM. Podia ter evoluído os pokémons direto pro nível 100. Eu podia, com os códigos certos do Gameshark, ter conseguido tudo que tem pra conseguir no jogo. E isso simplesmente tiraria toda a graça.

Foi assim que cheguei em uma conclusão: Existe um balanço muito, muito sensível no uso de cheats. Extrapolando esse equilíbrio, você pode simplesmente anular a experiência toda. Você pode virar um ser onisciente e onipotente que conseguiu tudo fazendo praticamente nada. Pode ser um deus. E isso não tem graça nenhuma. Não tem mérito, nem valor, e não tô falando em relação aos outros, mas pra si próprio.

Aí o santo, o puritano dos video games dirá “É tudo a mesma coisa. Tem que se esforçar. Quem usa cheat, por menor que seja, é um idiota sem mérito e tá falado”. Não seja assim, por que você é um porre. Sério. Quem pensa assim parte do pressuposto que os jogos são coisa séria. Agora, isso pode ser uma surpresa pra você, mas jogos são entretenimento. Só que, ao contrário de filmes e séries por exemplo, os jogos exigem um certo esforço de você. Então, ao mesmo tempo em que se diverte, você se esforça, o que deve ser uma das combinações mais legais do dia-a-dia e facilmente encontrada no seu jogo favorito. Quem faz jogos sabe disso tudo e trata de equilibrar diversão com esforço. Por isso é que raramente – talvez nunca – jogadores inventam cheats. Eles já estão lá, as pessoas geralmente só os descobrem. Lembra do Super Mario? Lembra quando você descobriu emocionado que subindo na camada de tijolos do segundo nível dava pra alcançar a warp zone e pular algumas fases? Pra todos os efeitos práticos aquilo é um cheat. Pular fases? É um caminho fácil, é falta de esforço! QUEIME NA FOGUEIRA, DESGRAÇADO.

 Na foto: Um trapaceiro.

Notem que a diversão e o esforço são duas entidades diferentes, como deuses opostos de alguma mitologia extinta, que eventualmente trabalham juntos e têm bons resultados. Enquanto que a diversão não se preocupa, e, portanto, não realiza nada, só se importando com a graça das coisas, o esforço se preocupa, realiza feitos, mas não vê graça em nada. Separados, eles são a morte pra si mesmos, inúteis. Nos jogos, assim como em tudo mais feito por nós, a diversão pura não leva a nada senão ela mesma, resultando em estagnação. O esforço sozinho cria desconforto, infelicidade. Nós funcionamos assim.

O melhor exemplo sobre cheats e a relação esforço/diversão é toda a franquia GTA. Eu ainda me lembro do seguinte: No Vice City, se você digitar “stilllikedressingup”, você faz o Tommy Vercetti mudar de corpo. Ele vira qualquer outro personagem do jogo randomicamente. Se você digitar “aspirine”, ele recupera a saúde. Em San Andreas, “yecgaa” te dá uma mochila a jato; “jumpjet” te dá um avião. No GTA III… Sei lá, faz tanto tempo, mas sei que tinha também. Eu acho o ápice da ironia um sujeito dizer (Como já me disseram) que é um sacrilégio usar cheats em GTA, um jogo que se trata, basicamente, de roubar, matar, assaltar e foder com a vida dos outros em benefício próprio. E EU NÃO POSSO TER UMA MOCHILA A JATO? Ora, pelamordedeus.

Mas GTA, especialmente do Vice City pra frente, tem missões difíceis. Como eu falei nesse texto eu me lembro dos mais imbecis jogadores de GTA na época das lan houses. Eram os guris que digitavam cheats sem parar, faziam todo tipo de merda que tem pra fazer, e depois deixavam o jogo de lado. Eles não faziam missões, não queriam jogar o jogo. Era o cheat pelo cheat, ou seja, a diversão pela diversão. Assim, a balança pendia para um único lado. As pessoas que levam GTA a sério (Elas existem, acredite) são a outra ponta disso, e balança cai pro outro lado, e um jogo se torna, aí sim, parecido com a realidade: Uma infinidade de responsabilidades e preocupações. E eles não são feitos pra isso.

Eu tenho certeza que fazer o carro voar em San Andreas pra poder viajar melhor entre as cidades ou fazer aparecer uma mochila a jato pra fugir de uma horda de sujeitos querendo te matar é bem diferente de fazer aparecer um tanque de guerra, destruir a cidade durante meia hora e ir embora. Se você joga video games, mas não quer ter absolutamente nenhum trabalho, talvez seja hora de mudar de hobby e ir ver um filme; se você joga e quer se preocupar, se desgastar, então é melhor investir essa energia em um trabalho ou uma faculdade. E, finalmente, se você só quer um momento de lazer que te tire da pressão do mundo real, mas também te faça sentir recompensado, então jogue, e use alguns cheats se quiser. Veja quais trapaças vão te dar mais diversão sem tirar o prazer da recompensa e pronto, jogador feliz. Guarde suas energias pro seu relatório da empresa, pro seu TCC, e outras coisas bastante reais e para as quais muitas vezes não existe código, nem caminho mais fácil. Pelo menos não se você quiser manter sua dignidade.

 FUCK YOU ALL MOTHERFUCKERS, EU VOU PRO DESERTO!

Resumindo

Os cheats são como os grandes poderes que o Tio Ben falava. Você tem que usar com responsabilidade. Os criadores dos jogos não estão nem aí pro jeito que você joga. Eles programam cheats por que foda-se você. Com eles, você pode provar que é mariquinha e tirar toda a dificuldade de um jogo. Dane-se, ninguém liga. Você pode também usá-los moderadamente, conseguir uma pequena vantagem pra poder ficar confortável e inflar o ego, e deixar sua vida um pouco mais fácil, ainda mais se o resto dela não for assim tão fácil e você só quiser se divertir com os jogos, e não tratá-los como realidade.

Uau, você tem 700 horas de jogo no Pokémon, evoluiu cada um até o nível 100 batalhando cada treinador da região e se sente o Abraham Lincoln montado em um dragão? Parabéns pra você. Espero que “Mestre Pokémon da região Hoenn” fique lindo no seu currículo. Quando completar sua tese de mestrado e finalmente escrever “A Origem das Espécies Pokémon” me mande uma cópia. Já eu fico bem feliz de comprar uns Rare Candies, ganhar uns níveis de graça, mas ainda em tempo de ter que me esforçar um pouco pra derrotar a Elite Four e voltar pras responsabilidades reais mais tranquilo.

Vida longa e próspera.

Nota do editor: O que dá pra esperar de alguém que jogou Pokemon mais de duas vezes?

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