O Cinema Experimental Soviético: Defensores da Montagem

Clássico é Clássico segunda-feira, 06 de julho de 2009

Nas últimas duas colunas falei um pouco sobre dois importantíssimos movimentos cinematográficos da década de 20: o expressionismo alemão e o cinema americano de Keaton e Chaplin. E se esses movimentos são a prova viva de que filmes mudos podem, sim, serem vistos como entretenimento nos dia de hoje, os soviéticos vão justamente pela corrente contrária. Grande parte de seus filmes mais marcantes são, na verdade, ensaios e experimentos quanto a linguagem cinematográfica, sem se preocupar com roteiro ou atuações. Mas isso não é regra. E ainda sim, a importância que códigos nomes como Sergei Eisenstein, Dziga Vertov, Lev Kuleshov e Vsevolod Pudovkin tiveram para a constituição do cinema moderno foi tanta que não dá pra imaginar como tudo seria hoje sem eles. Basta dizer que eles foram as mentes por trás do processo de montagem.

Breve Histórico

Para se entender as motivações dessa escola cinematográfica, é preciso visualizar que esta se consolida alguns anos após a revolução soviética. Dessa forma a indústria cinematográfica do país deveria ser uma “mão na roda” para o governo socialista. Eles tiveram que combinar apelo popular, eficácia política e além de tudo, criatividade autoral. Ou seja, não bastava que esses “operários da cultura” criassem filmes nos moldes do cinema americanos ou alemão, era preciso ir além – chegar nas raízes teóricas e propôr uma forma de linguagem que sustentasse essa necessidade. E isso se deu através de uma série de filmes e experimentações. E são sobre algumas delas que eu vou comentar hoje.

Efeito Kuleshov, Lev Kuleshov

A genialidade da proposta de Kuleshov é tão grande quanto a simplicidade de sua teoria. Mas a repercussão foi tão grande, que a montagem a partir daí se tornou essencial na linguagem cinematográfica. Seu experimento consistia no seguinte: imagine um fotograma com uma mulher de expressão neutra. Agora coloque este, entre duas tomadas de uma lápide ou um enterro. Pronto, a moça irá parecer uma viúva em sua tristeza. Agora esqueça a parte do cemitério e substitua por duas imagens de um prato de sopa. Agora a mulher parecerá estar fazendo cara de fome. Ou seja, o cinema descobriu que poderia, através da sequência de fragmentos, contar uma história a partir de diferentes fotogramas. A partir daí se criou a verdadeira realidade cinematográfica: juntando a filmagem de um homem saindo por uma porta, com uma cena em que o mesmo homem está em frente aos portões do Taj Mahal, eu consigo atravessar uma distância de milhares quilômetros em apenas segundos, criando um espaço-tempo que só o cinema pode oferecer.
Kuleshov ainda iria dizer que o sucesso do cinema americano se deu pela clareza e rapidez da narrativa, aliando uma montagem invísivel a dinâmicas sequências de ação. O close na cara do bandido, e aquele fotograma em que está em cima de seu cavalo, pode ter um intervalo de anos entre suas filmagens, mas quando colocadas em uma mesma cena – o espectador achará que foram feitas ao mesmo tempo.

Kinopravda e Kino-Glaz, Dziga Vertov
Essas palvras estranhas significam reespectivamente “Cinema Verdade” e “Cine Olho“. Sim, Dziga Vertov era um louco com a mania de mostrar a realidade. Realidade mesmo. Nada de ficções ou documentários, apenas andar por aí como uma câmera e ver o mundo acontecer. Antes fosse só isso. Ele queria também construir uma realidade, “brincar de deus”. Bem, ele tem uma citação auto-explicativa, acompanhem:

Eu sou um cine-olho. Eu sou um construtor. Eu te coloquei num espaço extraordinário que não existia até este momento. Nesse espaço tem doze paredes que eu registrei em diversas partes do mundo. Justapondo a visão dessas paredes e alguns detalhes consegui dispô-las numa ordem que te agrada e edifiquei, da forma adequada, sobre os intervalos, uma cine-frase que é, justamente, esse espaço.
Eu, cine-olho, crio um homem muito mais perfeito que aquele que criou Adão, crio milhares de homens diferentes segundo desenhos distintos e esquemas pré-estabelecidos.
Eu sou o cine-olho.
Tomo os braços de um, mais fortes e hábeis, tomo as pernas de outro, melhor construídas e mais velozes, a cabeça de um terceiro, mais bonita e expressiva e, pela montagem, crio um homem novo, um homem perfeito.

Foi através de experimentos que fez entre 1922 e 1925, e “filmes” como Um Homem com uma câmera na mão que Vertov criou alguma das mais entendiantes obras do cinema soviético. O que me faz pensar como a realidade em sua “normalidade” é extremamente monótona – são os movimentos, os “enredos” da vida, que podem torna-la um filme FODA ou uma tanguice desse tipo que vocês gostam.

O Encouraçado Potenkin (1925, Sergei Eisenstein)

Eu já falei sobre ele aqui. Mas falar desse movimento, e não citar a principal obra de Eisenstein é ainda pior do que falar do expressionismo alemão, e não citar Metrópolis. Além de ser o principal teórico daquela época (e estudado até hoje), Sergei, através de seu principal filme, condensou alguns dos mais importantes resultados das experimentações soviéticas em um épico, que ainda por cima atendia as necessidade do regime.
A montagem como geradora de impacto estava lá: Se eu estou filmando cenas de um massacre, como vou deixar de mostra um close do grito desesperado da mãe que perdeu seu filho? A montagem como geradora de significados estava lá: Em uma cena, marinheiros prontos para começar um motim; na imagem seguinte um pedaço de carne cheio de vermes, e dessa forma já compreendemos o estopim do motim. A “realidade” estava lá: Além de falar sobre um acontecimento verídico, as próprias atuações abandonavam a teatralidade comum ao cinema mudo. A importância social também estava lá: O épico faz uma verdadeira ode a revolução, de forma inspiradora, mostrando a consagração daqueles homens que lutaram contra seu opressor comandante. Era enfim o “filme perfeito”. E justamente feito por um homem que nadava contra a corrente, buscando enriquecer o cinema, cruzando-o com outras artes como a pintura e a poesia, ao invés de purifica-los, como tentavam muitos teóricos da época.

Finalizando

O cinema soviético trouxe ainda grandes obras como Outubro e Alexander Nevsky do próprio Eisenstein, mas é impossível negar que sua principal contribuição foram seus ensaios teóricos e filmes experimentais. Depois dessa geração demorou algumas décadas para os “comunistas” voltarem ao topo.
Mas a história de Tarkovsky fica para outra coluna.

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