Porque o nacional é uma merda

baconfrito segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Você já ouviu algo na linha de

É nacional, então já sabe né…

Uma frase no qual o discursante implica que se alguma coisa, qualquer coisa, é feita no Brasil esta será ruim ou pior que uma contraparte gringa. Você também já ouvi algo como

O mercado nacional tá crescendo e tem potencial pra crescer mais

O que, em muitas áreas (E não só áreas de entretenimento) é absolutamente verdade. Já há uns anos que vemos a expansão de diversas áreas, e novas coisas chegam em terras brasileiras a cada dia, várias delas ganhando até certa fama. E tem, finalmente, as coisas que são criadas por aqui, o que te leva à ouvir algo coisas tipo

Tem que valorizar o que é feito aqui. Chega de só dar valor pro que é americano importado.

Meu amigo, eu não apoio o mediocrismo.

 Fiquem putinhos, eu não ligo.

O Bacon sempre foi elitista, todos que por aqui passaram são, ou já foram, elitistas, e eu também estou nessa lista. Culpe minha criação, minha mãe, o imperialismo americano, a cultura coitadista nacional ou qualquer outra coisa que quiser, mas isso não muda um fato básico sobre mim, este blog e muitas outras pessoas: Eu gosto de coisa boa.

Não que eu não goste de coisas ruins, eu gosto, mesmo sabendo que são ruins, mas, de forma geral, eu gosto do que é bom: Me recuso a ficar em hotéis com menos de três estrelas, pago caro num hambúrguer com carne de primeira, só uso escova de dentes com cerdas projetadas especialmente e tenho um total e completo desprezo para qualquer obra civil denominada “puxadinho”. Eu sou assim, admito: Sei que seria enforcado depois da queda da Bastilha; malditos comunistas.

Portanto, quando alguém chega pra mim e me diz que eu tenho que gostar de alguma coisa porque ela foi feita no Brasil, eu simplesmente ignoro. Não a frase, mas a pessoa que a falou, e se eu estiver num humor meia boca (O que é o padrão) ignoro também do que a pessoa falou. Aliás, eu passo a odiar o que quer que seja, de birra, só pra ser do contra: Algo que alicia gente desse nível não pode ser boa.

Isso acontece para um monte de coisas: É, por exemplo, o mesmo pensamento-base que eu uso em relação às propagandas antes de vídeos no YouTube ou qualquer outro site. Pode ser que eu esteja perdendo a maior coisa do mundo desde que Jesus disse que era mais famoso que o John Lennon? Pode ser, mas, sinceramente, quais as chances disso? Qual a chance de a coisa mais incrível do mundo não ser conhecida pelo mundo todo? Toda história em que há um “tesouro” (Seja este um tesouro literal ou qualquer outro ponto de “inestimável valor”) abraça a mesma estrutura: O tesouro foi escondido/perdido/esquecido, informações sobre ele são igualmente apagadas da história, tempos se passam até que apenas um grupo seleto ainda mantenha conhecimento limitado sobre o tesouro, e enfim ressurge o interesse pelo artefato, o que leva à uma busca pelo mesmo. O objetivo é sempre um, e não poderia ser diferente: Trazer o tesouro ao conhecimento da sociedade. Você pode ter todos os elementos, das informações desencontradas até gente procurando, mas isso não quer dizer que haja realmente um tesouro.

Nota do editor: O Bacon é um desses tesouros perdidos.

E aí chega alguém e me diz que tem um tesouro, e ele é um tesouro só porque foi feito aqui no Brasil.

Eu sei do pau-brasil, do ouro, das boas águas e terra. Sei da diversidade natural, das espécies únicas e que aqui tudo o que se planta, dá. Sei também do café, do clima, da miscigenação, da liberdade religiosa, da criatividade, do jeitinho brasileiro e da amigabilidade. Acredite, eu sei que o Brasil tem milhares de qualidades, sei que tem potencial: Já vi algumas delas, já me contaram sobre outras, mais surgem a cada dia. E, ainda assim, nenhuma delas é respaldo para afirmar que algo é bom porque é feito aqui.

Não é assim que funciona. Você não determina a qualidade e as características de nada baseado em que lugar do mundo ela foi feita. O seu celular de empresa americana é chinês também, a farinha brasileira que você come é misturada com a farinha argentina, seu tênis de marca alemã é vietnamita: Não é um mapa que define a qualidade, é o produto em si.

Parem de me empurrar porcaria só porque ela é nacional.

Foda-se a falta de incentivo, foda-se o mercado limitado, a dificuldade de produção, as restrições à informação, a falta de materiais, o preço de manufatura, a demora na entrega, as limitações do mercado consumidor. Nada disso é desculpa para que o resultado final seja ruim. Ou melhor, é desculpa sim, afinal, o resultado depende do processo, mas eu, como consumidor final, não dou a mínima para as suas dificuldades: Não vou aceitar algo pior (Em relação à algo feito no exterior) só porque é mais difícil de se fazer por aqui.

Já cansei de ver gente aplaudindo algum quadrinista americano pra, na hora de fazer o próprio quadrinho, me mostrar uma porcaria mal desenhada, com uma história tosca e personagens genéricos. Eu não vou comprar um computador com três placas de vídeo para rodar sua cópia de Starcraft com gráficos piores e centenas de bugs. Não bota a culpa do fracasso de bilheteria do seu documentário sobre o desvio de fundos do projeto-escola em quem não foi no cinema que você alugou na Augusta. Tem gente que insiste em ir assediar as pessoas na porta de teatro, após a peça, tentando vender o EP que acabou de gravar, num churrasco, com o celular. Não adianta só a capa do seu livro ser bonita. Não adianta ter uma resenha favorável estampada na contracapa. Na hora que eu for ver, eu vou me decepcionar. Quando isso acontecer, eu vou ter perdido o dinheiro e o tempo, mas você vai ter me perdido.

 E, na maioria das vezes, não tem mais volta.

Ao invés de perder o tempo de todo mundo reclamando, vá melhorar. Diga-se de passagem, não importa se é ruim ou se é bom, sempre pode-se ficar melhor. Claro que é mais fácil botar a culpa em outras coisas, postar na internet dizendo que está desiludido com o povo brasileiro e desistir de fazer o que quer que seja: É mais fácil, mais rápido, mais barato e é bem capaz de chamar mais atenção do que o seu projeto chamaria. Vá em frente, é seu trabalho, sua responsabilidade, só lembre-se de avisar os teus fãs (Ou de avisar a si mesmo) que eu não tenho nada a ver com isso. E não quero ter, não estou concorrendo pra presidente.

E se você fizer tudo certo, tiver um bom produto, tiver o seu tesouro, isso é garantia de alguma coisa? Não. Claro que não. As dificuldades intrínsecas existem, as suas limitações e as do seu projeto também. E, muito simplesmente, o Brasil, cada cidade, cada estado e região, têm suas características: Algumas ajudam, outras atrapalham. Não nego que é mais fácil fazer uma imensa gama de coisas lá fora do que aqui, só não vou aceitar essa desculpa. E há sempre de se ter em mente que há coisas mais fáceis de se fazer no Brasil do que lá fora. Se você ainda não aprendeu, aprenda: Cada povo reclama de seu país sobre as mesmas coisas que reclamamos do nosso.

Me mostra algo bom, se me interessar, eu invisto o que for nele, caso contrário, pode esquecer. O mercado – qualquer mercado – não é caridade: Não vou investir porque é nacional, e muito menos vou investir se eu não quiser investir. Também não vou investir em algo por compartilhar a nacionalidade do que está sendo apresentado: Eu não tenho obrigação nenhuma para com coisa alguma.

Aliás, este é outro grande ponto: Eu, particularmente, não ligo muito para rap, não é minha praia. Escuto um ou outro, mas como eu já disse aqui em algum lugar, escuto músicas, não artistas ou álbuns. Não adianta você chegar com o melhor do rap nacional, simplesmente não me interessa. E não vou me interessar só por ser brasileiro, e nem por ser algo feito no Brasil: Está fora da minha alçada. Pode ser que algum dia eu passe a gostar, a ouvir, mas vai ser porque eu quero, porque alguma música, seja nacional ou internacional, fez eu me interessar.

A questão toda gira ao redor de três coisas: Nacionalidade, suporte e incentivo; quando só deve girar ao redor de duas: Qualidade e interesse. Não me importa onde é feito, eu não vou comprar e indicar se não for minimamente bom e eu não gostar.

Esse é justamente o tipo de coisa que cria coisas na linha do “o americano é melhor que esse aí”: Ao invés de focar no produto, no resultado final, a galera espera aplausos, espera ser levantada nos ombros de quem tem a obrigação de fazê-lo já que ambos são brasileiros e o produto é feito no Brasil. O resultado é que se tem um produto de merda, e que, quando muito, se “garante” ao ser espalhado por gente com essa mesma mentalidade, ou seja, no Brasil, do Brasil e para o Brasil. Se o seu trabalho for bom ele vai ser comprado/sustentado/apoiado quem se interessar por ele, sejam brasileiros sejam americanos, europeus, africanos e até asiáticos. E brasileiros que moram lá fora também.

 Até a feira exportando pastel e você aí.

Quer meu apoio? Quer o do Bacon? Quer o de mais milhões de pessoas, aqui e no exterior? Faça o seu melhor, e procure sempre melhorar em relação ao que você já fez. Clichê sim, mas é verdade. As dificuldades existem, mas é o que separa os que valem à pena e os que não valem: Faz alguma coisa foda, mesmo com tudo contra você, e a resposta será melhor do que você pode esperar. A vida funciona assim, goste ou não.

Não dá mais para bater no ombro das pessoas e dar um prêmio consolação, isso não existe mais, não aqui, não comigo. Ah, e já deixo claro: Isto não é uma indireta para ninguém, é a mais pura e simples verdade. E pra ninguém chorar, está cada vez mais fácil fazer o que for: O país cresce economicamente, há mais leis de incentivo governamental, os próprios mercados estão crescendo… Quer exemplo maior que o financiamento coletivo? Se você quer ter um sucesso, se você quer realmente fazer algo, faça e faça bem feito, o melhor que puder. Esforço é recompensado, a safadeza de esperar colher de chá não.

Leia mais em: , , ,

Antes de comentar, tenha em mente que...

...os comentários são de responsabilidade de seus autores, e o Bacon Frito não se responsabiliza por nenhum deles. Se fode ae.

confira

quem?

baconfrito