Não lutemos contra o amanhecer (Ou “Desculpa qualquer coisa”)

Analfabetismo Funcional terça-feira, 12 de março de 2013

Agora que devo deixar esta coluna, não me lembro de nenhum momento de despedida num livro. Não que não tenha, tem um monte, mas simplesmente não ocorre nenhum. Parece algo banal, mas não é… Não nos livros. O ponto é que, normalmente, ou as pessoas morrem ou vão para o mundo das fadas ou vão embora, sem despedidas. Quero um grande momento.

Por mais que eu não goste de admitir, há coisas que livros não conseguem “transmitir” tão bem quanto outras mídias: Músicas, descrições de locais, expressões de personagens, lutas. Acho interessante, já que é comum nos livros ler algo como “alto, moreno, de nariz adunco”. Eu sei o que as palavras “nariz e “adunco” significam, mas não é o suficiente, não é exato.

Ainda que técnica e talento criem cenas incríveis, não importa quantas palavras sejam escritas e quantas páginas sejam preenchidas, nunca será como no cinema. Não há drama, num livro, como há no teatro. Verossimilhança como na TV, música como no rádio, interatividade como nos video-games. Em outras palavras, o livro é uma mídia como qualquer outra: É comum, tem pontos fracos e fortes.

Não vou, neste post, falar sobre “o fim do livro físico”, e-books, a “crise na literatura”, o crescimento da mídia como entretenimento e não como arte, em novos autores, na predileção do agradável ao necessário. Não vou falar sobre os “tempos negros que se aproximam” e nem da “luz no fim do túnel”. Neste momento, não me importo com livros, me importo apenas com um livro. Só um.

Se você está lendo isto, independente de quem é, pode pensar em me indicar As Crônicas de Gelo e Fogo, Bernard Cornwell, Kierkegaard, Homero, Platão, Suassuna, O Senhor dos Anéis, A Divina Comédia, Cervantes, Macbeth, Ray Bradbury, Orgulho e Preconceito, Dragões de Éter, Goethe, Baudelaire, Machado, Kerouac, Byron, Rick Riordan, O Apanhador no Campo de Centeio, T. S. Eliot, Drácula, Zibia Gasparetto, O Processo, Stephen King, Macunaíma, Orwell, Ardil 22, O Morro dos Ventos Uivantes, Conan Doyle, Victor Hugo, O Cortiço, Scliar, A Máquina do Tempo, Lolita, Mark Twain, A Laranja Mecânica, Faulkner, Mary Shelley, Duna, Sartre, Camus, O Corvo, Oscar Wilde, Madame Bovary, Ensaio sobre a Cegueira, Mensagem, As Valkírias, Nicholas Sparks e James Joyce. Não vai funcionar, tenho certeza. Não por má vontade e nem porque já li todos os eles (Coisa que não fiz… E não quero fazer), mas sei que não dará certo. Teimosia sem sentido, talvez, mas suspeito que não.

O autor, ao decidir um título, um tema, ao criar um local, um personagem, enfim, ao escrever a primeira palavra de um livro, automaticamente limita o livro e à si mesmo. Antes da primeira palavra, da primeira ideia, a limitação é apenas do livro: É a limitação que falei alí em cima. Após a primeira ideia, a obra se limita à esta ideia, independente de quão ampla esta seja. Numa frase brega, “a obra é o que a obra é, e não o que poderia ter sido”.

Lida-se, portanto, com três limites: Do livro, da obra e do autor. Nesta ordem de potência e importância. O livro, como mídia, como formato, limita-se a si; a obra limita as possibilidades do autor, dizendo o que pode e o que não pode; e o autor está limitado por seu talento, sua técnica, sua ousadia, coragem, criatividade, ponto de vista, sua sorte. Só há um modo de experimentar o livro em seu máximo: Deixando de lado os outros dois limites. Em suma, é impossível ser, plenamente, livro, autor e obra. Logo, a média é o ponto máximo a ser atingido. Estudo, prática e dom fazem o autor; criatividade, extrapolação e imaginação fazem a obra; papel, tinta e palavras fazem um livro.

Se, por premissa, nenhum limite pode ser alcançado, alego que quero o ponto máximo. Ou o fim deste. Não sei como, mas sei o porque: Não acho que autor, obra e livro sejam mais o suficiente. Escrever, criar e publicar (Aqui, no sentido “original”) um livro não serve mais. Não vou afirmar, mas se vivemos numa época em que qualquer um é escritor, ou este limite não existe mais ou está ainda mais “forte”. Também, se o compêndio de Lavoisier é válido, nos atuais temas, ideias e formatos, a conclusão é a mesma. O que resiste, portanto, é o livro. Nada mais natural que o primeiro, mas sólido e “sem frescuras”, seja o último a se manter. “Até quando?” é a pergunta.

Não creio que “os autores” possam ultrapassar e/ou “acabar” com seus limites… Não agora, não atualmente. A obra, que deriva de quem escreve, portanto, está na mesma. De certa forma, acho que estamos num momento de transição, a calmaria de antes e depois de uma tempestade… Um naufrágio, no meio desta. Ainda assim, também acho que chegará um momento em que autor, e consequentemente, obra, “chegarão ao próximo nível”. Sim, nego que seja possível que autor e obra “quebrem” seus limites, mas creio que possam ampliá-lo: Toda “revolução literária”, cada escola, cada estilo, foi uma expansão, uma conquista, mas não um ponto final.

Ao contrário de obra e escritor, acho que o livro sempre teve o mesmo limite, imutável, mas até agora, longe de ser alcançado. De forma mais simples, não acho que todo o potencial do livro foi ainda utilizado… Tenho quase certeza disso, e realmente torço para estar certo. Por enquanto, a média dos limites ainda é baixa. Sim, baixa: Duas das variáveis estão muito longe do patamar da terceira variável, logo, a média é pequena.

Não sei se está na hora – Provavelmente não – mas quero que esteja. Capricho puro e simples. Por adição simples, o resultado só pode ser um: Já é hora de autor e obra chegaram ao nível do livro. Sim, é isso mesmo, e vou deixar claro: Já é hora de autor, aquele que escreve, e obra, aquela que é escrita, serem tão importantes quanto o livro, como mídia. Nem autor nem obra nunca serão mais que o livro. Este, no fim, é sempre o agente máximo, logo, autor e obra serão sempre os agentes limitantes, mas os três podem ser iguais. Talvez devam ser iguais.

Ao final deste texto, tenho duas certezas: A primeira é que ainda há um longo caminho a se percorrer, no que se trata do limite e da média… Literária. A segunda é que ainda não me ocorre nenhuma despedida, em livro algum. Estou juntando dois mais dois para lhes dizer isso: Algum dia chegar-se-á lá. Algum dia, autor, obra e livro serão iguais, e nesse dia poder-se-á dizer que finalmente fez-se, em sentido pleno, Literatura.

E, talvez, nesse mesmo dia eu me lembre de uma despedida de um livro. Enfim, sendo eu quem sou, esta coluna como é, e o momento da “arte” em que vivemos, creio que só há uma coisa a se dizer agora: Até Mais, e Obrigado pelos Peixes.

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