Os filmes que moldaram meu caráter (parte II): A Era Linklater e outras drogas

Primeira Fila sexta-feira, 02 de dezembro de 2016

Tudo o que eu queria era chegar com resenhas novas de filmes fresquinhos que eu estou louca pra ver. Mas é claro que as migas quiseram ver gore dos anos 80 na minha festinha de aniversario prive e eu assisti pela, provavelmente, terceira ou quarta vez, Sleepaway Camp. Lançado em 83 e protagonizado por Felissa Rose, o original jamais foi lançado no Brasil, talvez por ser muito, muito, mas MUITO trash, ou por abordar uns temas, muito, muito, mas MUITO pesados. Enquanto o segundo e o terceiro são mortes atrás de mortes, sem grandes conflitos além da moralidade sexual, o primeiro tem todo um drama psicológico por trás que eu sempre ignorei. Porque era só uma criança quando assisti e a dimensão e a percepção das coisas mudam quando você tem 8, 18 ou 28 anos de idade.

Nele, Angela e seu primo Ricky (Jonathan Tiersten) vão para o Camp Arawak passar férias. A adolescente vive com a tia, pois seu pai morreu em um acidente de lancha quando ainda era uma criança e é super traumatizada. Não à toa, sofre bullying da parte de todos porque se recusa a comer ou falar com qualquer um, exceto pelo rapaz gentil, popular e bonitinho que se interessa por ela, cujo nome não consigo me lembrar e o IMDB, infelizmente, não pôde ajudar. Tanta atenção para o patinho feio do acampamento corrói de inveja a musa fitness do lugar, criando um mal estar absurdo no alojamento. Após um cozinheiro pedófilo tentar abusar sexualmente de Angela e ela ser resgatada por Rick, pessoas começam a morrer, como se o assassino fosse tomando, aos poucos, gosto pela coisa.

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Alguns flashbacks que permeiam a história da protagonista são perturbadores. Não foram poucas as vezes que precisamos pausar e até rever cenas pra entender o tamanho do trauma da garota. E por mais que o filme seja bem ruim de um modo geral, com muitos alívios cômicos e rapazes musculosos de shortinho e cropped, o plot twist é de uma agressividade impressionante. Além dos efeitos ruins, que agridem literalmente o cérebro e a visão, é algo que gera um misto desconfortável de perplexidade e pena. Incompreensão com tamanha violência e maldade. Não com os acontecimentos no acampamento, mas com o assassino. Uma empatia imensa com aquele ser humano que também é vítima, e que eu não consegui assimilar lá atrás. No fim das contas, o thriller é meio como eu: Divertida na maior parte do tempo, mas se for pra ser baixo astral, só paro no fundo do poço.

O que rolou com o Sleepaway Camp me fez parar para conferir novamente os filmes do Richard Linklater, que marcaram minha adolescência e inicio(zinho) da vida adulta. São eles a famosa “trilogia do pôr-do-sol”, onde Ethan Hawke e Julie Delpy definiram meus padrões de relacionamento com sucesso e me fizeram chorar pela primeira vez diante de uma tela, e Waking Life, o filme mais cult que eu já vi. Tanto em Antes do Pôr do Sol, como em Antes do Amanhecer, Linklater mostra a inocência do amor idealizado, mas não realizado. No primeiro, o casal protagonista se conhece em um trem e conversa muito. Muito mesmo. O filme inteiro é puro devaneio. Eles se apaixonam naquele curto período de tempo e marcam um reencontro, principal gancho para a sequência. Sete anos mais tarde, [spoiler alert], descobrimos que Jesse (Hawke) escreveu um romance sobre sua história com a francesa misteriosa, se casou com outra mulher e que Celine nunca compareceu ao encontro marcado por eles, graças a um empecilho pessoal. Ela surge como um fantasma, contudo, na tarde de autógrafos do livro, gerando um misto de climão e mais conversas intermináveis tipicas de almas gêmeas da quinta série.

Aos 16 anos, achei filmaço. Essa semana, pensando bem, meio chato, mas não perde o valor. Talvez por ter passado por todas essas fases, as vezes mais de uma vez, o romântico pelo romântico tenha perdido um pouco a graça. O bacana das relações é a substância que elas têm, poder ficar com o outro em um silêncio confortável. Isso é muito mais gostoso do que um volume de assuntos bizarros, que levam a qualquer lugar e a lugar nenhum. Bom mesmo, e muito adulto, é Antes da Meia Noite, quando acompanhamos o último capítulo da história do casal. Sem grandes viagens, o riso vem fácil, há maior interação entre Celine e Jesse com outros personagens e é impossível não se identificar com um, com o outro, ou com os dois – ao mesmo tempo – ao longo da trama. De longe, o melhor filme de Linklater.

Waking Life é uma animação das mais bonitas, com uma estética muito particular e interessante, mas é verborrágica até não conseguir mais. Se passa em um sonho lúcido, onde o protagonista se relaciona com várias pessoas e rola muita filosofia de bar, o meu tipo favorito. Tem algo de motivacional sem ser piegas e acho que, por isso, ainda mantenho minha cópia intacta. A gente nunca sabe quando vai precisar de um empurrãozinho básico em direção à coragem e um afago no coração. O longa também não te leva a nenhuma conclusão específica. E nem tem essa pretensão. É um apanhado de pensamentos, o que você faz com eles, é da sua conta. Não se esqueçam: É um sonho. Vale assistir, ciente do quão atípico ele é. Mas vale.

Também parei para conferir, por curiosidade, outras tramas, como Closer, que eu adorava, mas agora não consigo parar de problematizar. Simples assim. O que não significa que eu tenha deixado de gostar. Também discordo que, com a idade, a gente fique mais rabugento ou seletivo. É que esses filmes não são pra crianças e adolescentes os elaborarem como de fato são. E eles foram feitos pra chocar, não pra encantar e romantizar. Depois dessa experiência de choque, a vontade que fica é de pegar até as fitinhas da Disney para ver o quanto da bagaça eu realmente digeri. Mas como preciso pagar os boletos das brusinhas da C&A, vou voltar ao trabalho e ficar só na vontade mesmo.

Fica o questionamento.

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