Sobre o show do Bob Dylan

Música sexta-feira, 27 de abril de 2012

Durante essa última passagem do Bob Dylan pelo Brasil, uma das coisas mais interessantes foi acompanhar a cobertura da mídia em volta do músico e dos shows em si. Indecisos entre a imparcialidade e a opinião, a maioria dos veículos optou por transmitir os fatos com uma certa condescendência. Como se, em toda sua superioridade, perdoassem os “erros” de Dylan, em função da história do artista. Ninguém ousa dizer que realmente não gosta de algo, nem se entrega a um verdadeiro elogio. E o mais grave, ninguém parece tentar, ou mesmo querer, entender porque o show do Bob Dylan é do jeito que é. Enfim, depois de presenciar a apresentação de Porto Alegre, é exatamente isso que eu proponho. E sim, eu tou ciente que esse parágrafo também exala uma boa dose de superioridade, não precisam apontar a ironia.

Caso não fique claro com o cenário, os trajes da banda e os primeiros acordes de Leopard-Skin Pill-Box Hat, esse é essencialmente um show de blues. A versão só reconhecível pela letra de It’s All Over Now, Baby Blue que vem a seguir e não deixa dúvida disso. Aliás, por uns momentos, depois de umas músicas mais recentes, mescladas com outras bastante obscuras (Tipo John Brown, de 1962, que não saiu em nenhum álbum de estúdio), dá até pra esquecer que estamos diante de um dos artistas mais influentes do século passado. E como efeito colateral, isso traz um clima intimista que seria difícil de imaginar numa apresentação desse calibre.

Claro, eu preferia estar ouvindo os hits da fase folk do cara. Mas a gente parece esquecer que essas músicas, apesar de ainda relevantes, foram compostas há mais de 40 anos. E o Bob Dylan viveu esses 40 anos, sempre se expressando através da música. Lógico que o que ele sentia em 1960 não tem o mesmo significado hoje. E esses novos arranjos parecem buscar justamente renovar a mensagem das composições clássicas. Isso pode parecer um defeito pra nós, acostumados a artistas performáticos totalmente voltados ao público. Mas por outro lado, demonstra uma devoção total a música, uma honestidade que liga o que o artista sente com o que ele toca não vista com frequência suficiente. E o show todo demonstra essa coerência. A troca (Ou evolução) da verborragia solitária pela musicalidade alcançada com o entrosamento entre Dylan e a banda (Ótima, por sinal) parece totalmente legitimada.

Toda essa tão falada reclusão, antipatia e distância do artista perante a plateia também só parecem reforçar esse amor a música. E paradoxalmente, esse afastamento nos faz perceber que essa celebridade com mais de 100 milhões de discos vendidos também é humana. Vendo de fora, parece que Dylan sofre de um mal muito compreensível: Ele precisa e quer continuar tocando, mas não aceita necessariamente que tudo que o cerca e corrompe o mundo da música. Como o culto a imagem e tudo o mais, vide sua aversão aos fotógrafos. E nem dá pra culpá-lo, ele vem sendo vaiado e mal interpretado desde que adotou a guitarra elétrica. Aliás, eu li por aí que vaiaram ele até em Brasília (Ou no Rio, não lembro) por ele não ter voltado pro bis. Mesmo assim, ele segue fazendo o que acha relevante. A música é o que importa.

Até aí, os momentos em que Dylan (Que se reveza entre a guitarra e o teclado) improvisa na harmônica são os destaques. Mas a coisa engrena mesmo depois da metade da apresentação, com Desolation Row. Não da pra ter certeza se a voz rouca com que ele canta (Ou as vezes declama a letra) é produto das circunstâncias, mas pelo contexto, parece proposital. Depois de Blind Willie McTell, outra surpresa, a coisa segue numa crescente, com uma versão de Highway 61 Revisited ainda mais animada que a original e a grande Ballad Of A Thin Man. E então é chegada a hora de Like A Rolling Stone, se não a melhor, com certeza o maior clássico do cara. E ele mesmo parece ter noção disso, mantendo a essência da original, e olha só, convidando o público a cantar o refrão. O momento mais emocionante vem a seguir, com All Along The Watchtower. E a banda ainda volta pra se despedir com uma versão nova, mas com a mesma força, de Blowin’ In The Wind.

E no final, Bob Dylan consegue. A música falou por si mesmo. Mas claro, se ele tiver uma epifania antes de morrer e voltar à gaita e ao violão, não sou eu que vou reclamar.

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