Manual da Rebeldia Juvenil

Televisão segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Já tem quase dez anos que sigo um pequeno ritual: Ir dormir quando o sol está nascendo. Não, não sempre, apenas quando estou na casa do meu pai. Começou como um pequeno gesto de rebeldia contra a disciplina materna, mas em alguns anos ficou claro que, assim como tantos, gosto de dormir tarde, e assim o ritual passou a ser mais uma extensão do que eu já fazia do que uma forma de bater o pé contra o totalitarismo familiar. E o que eu faço até as seis da matina? Assisto TV.

Pois é, eu sei que a primeira coisa que se pensa é na Emmanuelle, no fatídico Cine Privê, e, mais tarde, no Multishow e no Telecine Action, mas não, nada disso. Não que eu não visse tais programas, mas não durante o ritual: Só TV aberta, na programação da madrugada.

Algo que está desaparecendo aos poucos é a liberdade que se tem quando não se tem internet: Sem internet, você tem que fazer alguma outra coisa. Nada de smartphones ou pontos de wi-fi em tudo que é comércio, e tudo é mais complicado de se arranjar quando você é criança, o que impossibilitava a opção do “vou sair”. Então este era o cenário: Eu, me recusando a ir dormir, num apartamento, sem internet (Depois passou a ter, mas aí a coisa toda já estava organizada, então foda-se), sem poder fazer barulho, com todo mundo já dormindo.

 Se ainda fosse uma fodinha, vá lá, mas não, é o SBT.

Não sei se vocês já tiraram um dia de suas vidas pra ver como é a TV aberta de madrugada, mas já adianto que não é nada empolgante. Até “horários aceitáveis”, lá pela uma e meia, duas da matina, você vai ter algum programa “de verdade”, provavelmente algum talk show ou algum jornal, ou seja, aquele programa que a emissora tem só pra dizer que tem, mas que jamais vai passar num horário melhor. Daí pra frente é ladeira abaixo: Algumas preferem passar filmes, outras passam séries e algumas passam o Louvor de Nosso Abençoado Redentor Pai e Guia Jesus Cristo de Nazaré. Mas também tem as que passam só clips de música, (O que não é tão ruim assim – a qualidade musical é outra questão) e as que passam os leilões de joias, gado, tapetes, além de propagandas de iogurteiras e aparelhos de ginástica.

 Velho amigo.

Por mais estranho que pareça, eu gosto de propagandas que querem me vender algo “se eu ligar AGORA”. Por que? Não sei, mas gosto, e talvez mais esquisito ainda seja gostar delas mas não suportar os leilões pela TV. Simplesmente não aguento. E é isso aí, eu gosto de ver a nova versão do grill com bandeja pra gordura ou a pochete que vibra ou qualquer coisa assim.

Eu também prefiro assistir séries à filmes, primeiro porque elas terminam rápido e segundo porque é legal esfregar na cara das menininhas que você conhece Sobrenatural há mais tempo que elas. E de que outro jeito você conheceria a série do Blade? Ou Kyle XY? Além, é claro, de ouvir a belíssima dublagem de Big Bang: A Teoria? Então as séries são o melhor pra se assistir na madrugada, já que os filmes estão dublados melhores, mas estão cortados, e ver o Braga Boys, o Chris Brown e a Mariah Carey em seguida é sacanagem. Não, a comunhão em Deus Todo Poderoso não entra sequer na lista.

 Mas você está vestido de acordo pra doar seu dízimo pelo telefone?

Eu sei que falando assim parece uma madrugada completamente chata, deprimente e disperdiçada, mas depois da segunda ou terceira vez você acostuma. Claro que seria melhor se tivesse uma programação melhor, e, de preferência, completamente legendada, só que o ponto não é o que você está assistindo, mas o fato de estar assistindo: Ainda é um ritual estar lá, sem horário pra nada, e poder aproveitar aquelas poucas horas de silêncio e escuridão, só entre você, a TV e algum vizinho tolo, fraco e influenciável, que está batendo punheta pra uma cavalgada buceta-barriga (Em casas separadas).

Com o passar dos anos esse ritual perdeu força, ao menos para mim: Acontece que o 3G chegou pra ficar, a TV está em decadência e ninguém é criança para sempre. Cedo ou tarde você vai ter, efetivamente, o poder de escolha, e até uma noite pesquisando preço de puta é mais divertido que três episódios seguidos de Dois Homens e Meio. Mas deem uma chance aos clips, séries, filmes, propagandas, leilões e cultos. Se nada disso der certo, você ainda pode ficar acordado até um pouco depois e aprender uma profissão com o Telecurso: Pra mim esse era o momento de desligar a TV, escovar os dentes e dormir, ouvindo o rádio e vendo os raios de sol pela janela.

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