Christine (Stephen King)

Livros sexta-feira, 18 de abril de 2014

“Love is old slaughterer. Love is not blind. Love is a canibal with extremely acute vision. Love is insectile, it is always hungry”
– Stephen King, Christine

Sempre me enrolei pra começar a ler os livros do Stephen King. Influências e incentivos nunca faltaram pra que eu pelo menos conhecesse a escrita dele. Li alguns contos perdidos recomendados por um amigo, mas tinha sido tudo até então. Tentei pegar uma obra completa como A Coisa, pois consideram esse um dos melhores trabalhos desse autor. Li mais ou menos até a metade e desisti, em parte por ser um momento bastante estressante da minha vida e ler A Coisa antes de dormir estava me deixando bastante perturbada. Passaram-se muitos meses até eu decidir ler Stephen King de novo. Nesse meio tempo, eu comprei livros dele e deixei pegando pó na estante. Li À Espera de Um Milagre durante esse período “sabático” e achei bastante fascinante, um dia eu acabo escrevendo sobre ele também.

Aí um amigo (Não o mesmo) me passou vários e-books, e um deles era Christine. Então, num dia tépido “meio barro, meio tijolo” à espera pela aula da faculdade, abri o livro no celular e comecei a ler.

Eu tinha uma vaga lembrança do filme, que passava com uma certa frequência no SBT e ocasionalmente na Band. Quando eu vi o filme, achei a história a coisa mais sem pé nem cabeça, um romancezinho adolescente muito sem-vergonha e sem profundidade alguma. E de fato, o filme é bastante raso (Muito mais do que deveria, até) se comparado com o livro. A grande sacada do King é fazer o leitor se apaixonar pelos personagens e por suas vidas, coisa que em um filme de duas horas ou mais é muito complicado de fazer. Tão profundos são os livros do King que se fossemos respeitar a profundidade e a riqueza de detalhes deles, teríamos dois ou três filmes de três horas pra contar tudo e ainda faltaria tempo. Claro que os livros são profundos, porém nem de longe são chatos. A grande magia do terror é fazer você sentir empatia pelo personagem, sentir pena dele, querer saber mais da vida dele. E nisso, crianças, entendam: Stephen King é mestre.

Christine é um Plymouth Fury 58, que foi encomendado por Roland LeBay na Chrysler de Detroit. Na época, a Chrysler só fabricava esse carro nas cores branco e dourado, fazendo dele praticamente um modelo único. LeBay queria um Fury que viesse nas cores vermelho e branco e por isso pagou mais caro para encomendá-lo diretamente na fábrica. Sendo assim, seu Plymouth era ainda mais especial, pois o desejava tanto que o mandou fazer nas cores e com os detalhes que profundamente almejava. Ao chegar em suas mãos, o nome “Christine” logo lhe foi dado, não somente para batizar, mas também para dar-lhe personalidade. Apesar disso tudo, LeBay pensava que um carro como aquele merecia muito mais que toda essa atenção e consideração. Merecia um profundo e doentio amor de seu dono por sua máquina.

LeBay era um ex-soldado que tinha uma raiva muito grande e latente. Sempre muito bravo, sempre muito explosivo, LeBay era o tipo de pessoa que arranjaria briga até mesmo com uma cabeça de fósforo, fazendo-a pegar fogo apenas pelo seu prazer absoluto em despertar os sentimentos mais vis nas pessoas ao seu redor. O tempo foi passando, a vida foi se ajeitando e Christine acabou ficando de lado. Tão de lado ficou que nenhuma manutenção nela foi feita durante muito tempo, avariando muito seu estado de conservação. Quando Arnie Cunningham passou em frente à casa de LeBay e viu o Plymouth Fury no gramado completamente arrasado pelo tempo, com pintura manchada e desbotada, ferrugem por todo o canto, vidros quebrados e uma placa de “Vende-se” afixada em seu parabrisa, não teve dúvida: Iria comprá-lo, reformá-lo e deixá-lo digno de participar de exposições de carros antigos.

Você, provavelmente, acharia esse Arnie um perfeito caçador de sarnas para se coçar. Apesar de todo o estado quase putrefato de Christine, Arnie pagou 250 dólares por aquela lata velha. Christine teve seus tempos de glória tal qual LeBay, porém no dia em que foi adquirida por seu novo dono, ela não valia nem mesmo uma bala de goma. O problema é que à esta altura do campeonato, Arnie já estava completamente enfeitiçado por Christine e decidiu que iria pagar o valor estabelecido por ela até o último centavo, nem que pra isso tivesse que raspar as suas economias. Quando finalizou o pagamento, retirou o carro de lá praticamente rebocado. Só não foi rebocado porque Christine jamais sairia de lá dessa forma. Então, sentado no banco e atrás do volante, Arnie acariciou o painel de Christine e disse:

“Vamos lá, garota. Vamos, doçura, vamos rodar por aí…”

E assim, o motor pegou. E então, morreu. Depois pegou novamente, parecendo não ter estado tanto tempo parado. Christine ronronava para seu novo dono e guiada por ele, deixou o gramado de LeBay e seguiu seu destino. Arnie comprou muitas brigas com seus pais por causa da compra do carro. Seus pais diziam que ele não era mais o mesmo, pois não aceitava desfazer-se de seu carro e ainda os confrontava como jamais havia sequer retrucado qualquer argumento antes. Estava decidido a ficar com Christine, não importava o quanto isso custaria para ele. Mal sabia, entretanto, que o preço seria alto demais…

Depois da morte de LeBay é que a coisa realmente esquenta, ou seja, é aí que o livro fica cada vez mais interessante. A esta altura, Arnie já tinha conseguido uma garagem para deixar seu carro e ainda a frequentava nos finais de semana e horas livres para levar peças novas e ajeitar os estragos que o tempo havia feito na sua “garota”. O curioso é como Arnie consertava seu carro. Por ser um garoto franzino, metódico e perfeccionista, ver que seu carro estava sendo arrumado aleatoriamente era algo que chamava a atenção. E perceber que mesmo nunca tendo trocado vidro nenhum, seus trincos e rachaduras foram gradativamente…encolhendo, até que não se podia ver nenhum arranhão sequer. Muitos poderiam dizer que Christine tinha se regenerado, mas isso seria absurdo demais. Era apenas um carro velho parado numa garagem fedorenta e sem muita expectativa de que algum dia ficaria bom o bastante para sequer sair dali.

“Whoa, whoa. You better watch what you say about my car. She’s real sensitive.”
– Arnie Cunningham (Stephen King, Christine)

Umas lanternagens aqui, umas peças ali, uns pneus acolá e Christine já estava quase boa. E iria ficar ainda melhor. Tal qual uma mulher, que através dos anos, amadurece e fica cada vez mais bonita, Christine também ficou mais bonita e atraente. Sua pintura ficou reluzente, seus faróis ficaram alinhados, a grade do radiador estava com um prateado quase cintilante. Era difícil acreditar que no estado em que chegou, em questão de poucas semanas, Christine já estava praticamente nova.

“Oh man, there is nothing finer than being behind the wheel of your own car! Except, maybe, for pussy!”
– Arnie Cunningham (Stephen King, Christine)

E aí, vai perder?

Christine


Ano de Edição: 1998
Autor: Stephen King
Número de Páginas: 324
Editora: Objetiva

Vanessa França já fez parte da equipe do Bacon numa época muito distante, quando nenhum dos mamelucos que aqui habitam se encontrava. Não que vocês liguem. Mas se quiser entrar pro clubinho, vai fundo.

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